Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 30, 2014

Pessoas dentro da farda. Ou: Enterros sem artistas da Globo | Reinaldo Azevedo - Blog - VEJA.com

Pessoas dentro da farda. Ou: Enterros sem artistas da Globo | Reinaldo Azevedo - Blog - VEJA.com

Pessoas dentro da farda. Ou: Enterros sem artistas da Globo

Ruy Castro escreveu na Folha de hoje uma coluna que eu gostaria de ter escrito, a despeito das minhas divergências com aspectos da política de segurança pública do Rio. Leiam.
*
A 13 de março último, o aspirante a oficial da PM, Leidson Alves, 27 anos, foi morto com um tiro na cabeça por traficantes durante um patrulhamento no morro do Alemão. Foi o 19º PM morto neste ano no Rio, sendo 13 em emboscadas parecidas –alguns quando estavam de folga. A 7 de abril, ao voltar para casa, outro PM, Lucas Barreto, 23, foi capturado em São Gonçalo e levado para uma favela. Deram-lhe oito tiros, a maioria nas pernas, e o jogaram num matagal.

Desde então, não sei a quantas anda a estatística de PMs cariocas mortos ou feridos –não em combate, como de praxe no ofício, mas pelas costas, à traição. Nem sempre os jornais registram que o policial assassinado era jovem, recém-casado, filho exemplar ou pai de filhos. Artistas da Globo não vão a seus enterros. Não se sabe de missas por suas almas e, na verdade, ninguém está interessado. É como se não houvesse uma pessoa dentro da farda.

Nas últimas "manifestações" no Rio, elementos brandiram cartazes dizendo "Fora UPP" e "UPP assassina". É fácil protestar contra as Unidades de Polícia Pacificadora. Quando um policial comete um excesso ou mata alguém, pode enfrentar processo, ser expulso da polícia ou ir preso. Mas ainda não se viu nenhum cartaz dizendo "Fora traficantes". E, no entanto, contra a violência destes, não há recurso –a comunidade tem de aceitar calada os tapas na cara, o estupro de suas filhas e as execuções sumárias de quem eles considerem suspeitos.

É difícil acreditar que essa hostilidade à polícia parta de gente de bem nas comunidades. Os números mostram que, com as UPPs, as mortes diminuíram, os serviços aumentaram e sua economia cresceu.

Tais dados são lesivos, isto, sim, aos traficantes, às milícias, aos que vivem das migalhas do crime e a políticos que, para sobreviver, precisam que as UPPs fracassem.



Enviada do meu iPhone

Um surto etnológico - ROBERTO DAMATTA

Um surto etnológico - cultura - versaoimpressa - Estadão

Estadão

Um escritor advertia que o personagem central de um texto é o leitor. Sigo o conselho e explico o meu título: surto significa arrebatamento, transporte, rapto. Etnológico diz respeito ao estudo de sociedades tidas como "selvagens" ou "primitivas" porque não tinham escrita, desconheciam uma tecnologia onipotentemente destrutiva, sua sabedoria estava na cabeça de um punhado de idosos e, eis um escândalo: não cobriam seus corpos.

Discutiu-se se tinham alma e imaginou-se que habitavam uma variante do Éden, mas a convivência - essa rotina que transforma presidentes em donos de quitanda e deputados em canalhas logo mostrou que os "primitivos" eram humanos como nós e, como dizia Mark Twain, não pode haver nada pior do que ser um homem.

Surtado, perambulei pelas minhas notas de campo, escritas entre 1961 e a primeira quadra de 1970, quando vivi intermitentemente nas aldeias dos povos gaviões e apinaiés, falantes da língua jê. Na estação atual da minha vida, senti saudade de mim mesmo e fui em busca dos meus 20 e poucos anos, quando tinha uma letra bonita; e não havia experimentado sofrimento, morte e perigo. Sabia de sua existência, mas essas coisas não tocavam meu coração (que era maior do que o mundo) nem os planos de marcar a profissão que abracei com entusiasmo inocente e alucinado.

Queria descobrir se eu havia deixado passar em branco aquilo que meus colegas mais jovens haviam elaborado debaixo da liderança intelectual de Eduardo Viveiros de Castro, a quem eu dedico essa pequena memória.

Viveiros de Castro é um raro mestre pensador. Num ensaio de grande alcance intelectual, ele formulou uma relação que havia passado despercebida, a saber: no universo dos indígenas americanos, o denominador comum entre os seres vivos não era a natureza, mas a cultura.

Para nós, a humanidade é o centro definitivo e absoluto de consciência e vontade, mas não é assim entre os índios. Para eles, ser humano é um modo de ser entre outros. Talvez seja o mais visível, mas não é o mais central ou definitivo como dizem as cosmologias mais conhecidas e mais influentes, as quais asseveram que o ato final da criação são os humanos. Entre os ameríndios não há sete dias que culminam no Homem. Há uma multidão de narrativas reveladoras que as diferenças entre homens, bichos e plantas não é de substância.

Vejam o contraste. Do nosso ponto de vista, a sociedade humana é a herdeira de toda a criação. Homens, animais e plantas se unem pela sua "natureza" física. No mais, são radicalmente diferenciados, pois foi apenas a humanidade que recebeu o sopro divino.

Entre os "índios", porém, a humanidade é um modo de ser, estar e perceber, entre outros. Eduardo Viveiros de Castro cunhou o conceito de "perspectivismo" para designar esses outros modos de enxergar a vida. Os mortos, os animais, as plantas e os fenômenos naturais seriam outras formas ou possibilidades de vivenciar a subjetividade que não seria algo exclusivo do humano.

Neste sentido, os mitos não são criações destinadas a explicar o inexplicável. São testemunhos de que somos parte de um imenso todo capaz de se comunicar o qual, em momentos memoráveis, se dividiu em entidades com uma aparência diferenciada, mas todas dotadas da capacidade de comunicação. Como pode adivinhar o leitor, tal reencontro se faz por meio de rituais ou em situações especiais - acima de tudo quando o ser (seja humano ou bicho) passa por um estado de extremada individualidade e solidão.

Consultando e lendo minhas notas de décadas passadas, colhidas na obstinação dos meus verdes anos, encontro muitas informações sobre animais. Esses atores fundamentais dos mitos que logram ou são logrados por algum humano e que, os meus professores nativos, repetiam para ouvidos moucos que eles eram iguais a nós e nos doaram o que sabemos.

Hoje, graças ao trabalho de Tania S. Lima, Aparecida Vilaça e Carlos Fausto - revejo meus dados e descubro como sol e lua, as estrelas, o sapo, os morcegos, o beija-flor e outros bichos são como nós e nós como eles. Eis um universo absolutamente relacional. Nele, ninguém tem o direito de ultrapassar um certo limite porque não há limites, mas modos de ser. Quanto a nós, que inventamos e legitimamos a "civilização" através da tecnologia (do uso dos talheres à bomba atômica), há muito vazamos todas as fronteiras.

Afinal, somos inventores e compradores de automóveis e, pior que isso, de refinarias.

(Se o surto continuar, eu continuo na próxima semana.)


domingo, abril 27, 2014

Os piores da América Latina - Suely Caldas

Os piores da América Latina - economia - versaoimpressa - Estadão
Estadão 

Ao tomar posse em 2011, a presidente Dilma Rousseff prometeu entregar aos brasileiros uma economia próspera e dinâmica, com obras de infraestrutura e novas plantas industriais espalhadas por todo o País, que elevariam a taxa de investimento de 18% para 24% do Produto Interno Bruto (PIB) até o final de seu mandato. Não conseguiu. Em dezembro deste ano ela vai entregar aos brasileiros um país com planos mirabolantes e grandiosos para o futuro e um presente medíocre e sem esperança, com uma média de crescimento de 1,9% em quatro anos e taxa de investimento estacionada entre 18% e 19%.

Na quinta-feira, o Fundo Monetário Internacional divulgou relatório sobre expectativas de desempenho econômico em países da América Latina (AL) para 2014. O resultado é decepcionante. Em média, a região deve crescer 2,5%, abaixo da taxa de 2,7% do ano passado, metade dos 4,9% do conjunto de países emergentes, inferior aos 3,6% dos desenvolvidos e até dos 2,8% esperados para os EUA, que apenas começaram a sair da crise. O investimento privado vai seguir fraco na região, com raras exceções e por força de fatores externos, como é o caso do México, que pega carona na retomada econômica dos EUA e cresce 3% em 2014.

Três dos mais importantes países da AL concentram os piores resultados econômicos: a Venezuela deve encolher 0,5%, a Argentina cresce só 0,5% e o Brasil patina em 1,9%. Não é coincidência. Entre eles há semelhanças e diferenças. O populismo político-econômico é a semelhança mais visível, embora no Brasil não assuma formas tão escancaradas e dimensões tão destruidoras como nos outros. Rica em petróleo, a Venezuela reúne condições que todo investidor busca para aportar seu capital, levar progresso, renda e emprego para o país. Mas em pouco mais de um ano o governo Nicolás Maduro nada construiu, pelo contrário, destruiu: afastou investidores, gerou desemprego, matou opositores e, como o antecessor Hugo Chávez, distribuiu dinheiro aos pobres para atrair apoio político e se manter no poder. Nos últimos três anos Cristina Kirchner iniciou a descida da Argentina para o abismo. Meteu os pés pelas mãos, gerou desinvestimentos, empresas pararam de produzir e tentam sair do país, falsificou índices de inflação, de desemprego e a taxa anual do PIB, o ambiente de incertezas, restrições cambiais e as improvisações do governo afugentam quem lá está e desencorajam quem pretendia lá ancorar. Inclusive empresas brasileiras, como a Vale e a Petrobrás.

A falta de confiança do capital privado no país, exacerbada na Venezuela e Argentina, contaminou o Brasil a partir do governo Dilma, tantos foram os experimentos de intervenção do governo em negócios privados, e que deram errado. A política inicial de estímulo ao consumo e desprezo pelo investimento em infraestrutura custou caro ao País. Motivado pelo anacrônico (e burro) preconceito ideológico contra a privatização, o governo do PT perdeu quase três anos sem gerar investimentos em infraestrutura. Quando acordou, fez tudo errado; tentava tabelar o lucro e as licitações fracassavam. Em seguida ao marasmo, Dilma passou a produzir planos grandiosos que têm contrastado com o fiasco em resultados. Se antes o investimento em aeroportos, portos e estradas era nulo, de repente surgiram projetos para construir 270 aeroportos regionais e licitar 45 portos ao capital privado. Até agora, nada.

Na área social, o governo Dilma acertou ao ampliar o programa Bolsa Família, manter o desemprego em baixa e tirar milhares de pessoas da miséria, mas o bem-estar da população pobre continua inalcançável diante de precários serviços de saúde, educação e saneamento. Sua fama de gerente competente, propagada pelo ex-presidente Lula, infelizmente não foi confirmada quando ela chegou ao Palácio do Planalto. Justamente porque faltou a ela entender que, sem uma economia próspera e forte, não há como garantir continuidade aos resultados dos programas de distribuição de renda, que são temporários e transitórios.

JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO

E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR





Videoaulas das melhores universidades do Mundo


    Enviada do meu iPad

    PT investigado e dividido - João Bosco Rabello

    PT investigado e dividido - politica - versaoimpressa - Estadão
     - Estadão
    Desde a declaração da presidente Dilma Rousseff de que fora ludibriada pela diretoria da Petrobrás que conduziu a operação de compra da refinaria de Pasadena, consolidou-se e ganhou visibilidade o conflito entre sua gestão e a do ex-presidente Lula.
    Insatisfações por interesses contrariados levaram uma parcela do PT a alinhar-se contra o governo Dilma na forma do movimento pela volta de Lula, tanto mais viável quanto menor a popularidade da presidente.
    O deputado André Vargas, agora ex-PT , por conveniência mútua, é um dos líderes do coro "Volta, Lula", tanto quanto os deputados Cândido Vaccarezza (PT-SP) e Vicente Cândido (PT-SP), outros que começam a se enredar na trama que comprometeu o ex-vice-presidente da Câmara.
    O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e o ex-presidente da empresa José Sérgio Gabrielli também são escolhas de Lula, ainda que o dirigente preso o seja por via indireta. Mas com ele conviveu administrativamente - e bem.
    Um ponto comum entre todos esses lulistas é o doleiro Alberto Youssef, com digitais na Petrobrás e no Ministério da Saúde - com Paulo Roberto Costa na primeira e André Vargas no segundo.
    Vargas arrecadava para campanhas do PT e de aliados, assim como Costa se mantinha diretor da Petrobrás porque desviava recursos - e não apesar disso. Ambos tinham sempre a companhia de Alberto Youssef, o que reforça a destinação eleitoral dos recursos.
    É o que torna delicada a situação do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha. O montante do dinheiro que sairia pelo duto da pasta que comandou - R$ 30 milhões - para o laboratório Labogen, de Youssef, só foi estancado pela denúncia.
    Agora complementada pela gravação em que Vargas atribui a Padilha a indicação de diretor para a Labogen. Embora ao ex-ministro ainda caiba o benefício da dúvida, a lógica da teia impõe explicação clara, rápida e melhor do que a oferecida nas primeiras 24 horas.
    Nem se pode atribuir a uma vingança do deputado contra o PT a denúncia, porque a declaração que compromete o ex-ministro foi gravada sem que Vargas, obviamente, já se soubesse parte da escuta telefônica autorizada para Paulo Roberto Costa.
    Entre o Ministério da Saúde e a Petrobrás, há Alberto Youssef, que lavava verbas desviadas para campanhas, o que projeta esquema maior e com mais personagens ainda ocultos.
    As denúncias conhecidas atingem o projeto de continuidade do PT, mas com predominância da ala lulista anti-Dilma, o que, se não melhora a situação da presidente na eleição, pode reduzir as chances de retorno do antecessor.

    João Ubaldo Ribeiro Soluções radicais

    ESTADÃO

    Parece que todo mundo saiu da cidade no feriadão, de forma que a rua está quase silenciosa, vazia de carros e mesmo de passantes, o desfile feminino é apenas uma sombra do costumeiro e houve quem temesse falta de quórum no boteco. Seus frequentadores mais fiéis, contudo, consideram meio vulgar esse negócio de viajar no feriadão, em vez de ficar, sensatamente, no boteco de todo fim de semana. E, assim, o meio-dia chegou para encontrar a postos praticamente a freguesia habitual completa, inclusive o comandante Borges, sorridente e afável, exibindo um surpreendente bom humor, depois que a bateria de sua moderníssima bicicleta elétrica pifou. Mas o Inimigo detesta a paz e a harmonia e, com suas maquinações diabólicas, está sempre montando armadilhas para atiçar a discórdia. Assim se deu, lamentavelmente, quando o comandante resolveu colaborar com a tradição de cultura da mesa, partilhando algo que tinha aprendido recentemente.

    - Vocês sabem o que é um hipocorístico? - indagou ele. - Eu mesmo não sabia, só fui aprender ontem. Acho que tem mais algumas coisas, mas o hipocorístico de que eu estou falando é quando se chama alguém por um apelido derivado do nome dessa pessoa. Por exemplo, Beto, em vez de Roberto, Chico em vez de Francisco, Pedrinho, em vez de...

    - Entendi. Então o seu hipocorístico seria Borginho.

    - É a mãe! Me respeite, Borginho não! Borginho não! Deboche não! Como é o nome da senhora sua mãe? Ela...

    - Calma, comandante, olha a pressão. Não faça isso, comandante!

    Custou um pouco, mas ele pareceu ter-se acalmado e sentou-se de novo em frente a seu chope, alisando a cabeça com o olhar distante. O raro episódio de bom humor, entretanto, tinha ido embora para não mais tornar, o que se manifestaria logo em seguida, quando alguém comentou os prejuízos do comércio, com tantos feriados e feriadões.

    - É isso mesmo! - esbravejou ele. - O feriadão é patrimônio do nosso povo! É melhor irmos logo nos acostumando. O nosso ideal, como povo e como indivíduos, é não trabalhar nunca! Esse é o nosso grande ideal! Eu tenho um sobrinho pequeno que, quando eu perguntei o que ele queria ser, disse que, quando crescesse, queria ser aposentado. O ideal é este, nós ainda chegamos lá. Ninguém no trabalho, todo mundo na praia, na internet ou no baile funk!

    - Mas, comandante, alguém tem que trabalhar.

    - É o que todo mundo pensa, menos o brasileiro. Querer o contrário é dar murro em ponta de faca. A solução para o Brasil só virá quando nenhum brasileiro mais trabalhar.

    - Mas isso não seria possível.

    - Claro que seria, aqui tudo é possível.

    - Mas quem faria o trabalho necessário para a sobrevivência de todos?

    - Parece que vocês não moram no Brasil. Chineses! Esse governo vai contratar chineses para fazer o trabalho pela gente. Daqui a pouco um marqueteiro do governo descobre isto e iniciaremos a importação de chineses. Enche isto aqui de chinês, chinês é ótimo para trabalhar sem reclamar, é uma tradição milenar. Vai ser o programa Mais Trabalhadores. O cidadão declara que não quer trabalhar, se cadastra no Ministério do Ócio e recebe tudo o que precisa, em forma de salários e bolsas, além de um personal Chinese.

    - E de onde sairia o dinheiro para custear esses salários e bolsas?

    - Dos impostos pagos pelos chineses, é claro. Você pensa que o chinês não vai ter desconto na folha?

    - Ha-ha, claro que o senhor está brincando, comandante.

    - Brincando? Brincando estão eles! Eles é que brincam! E na primeira classe, enquanto o povo vai no bagageiro! Em tudo quanto é canto, você vê uma piadinha deles, eles nem se preocupam em renovar o estoque, como no caso da piadinha do dólar.

    - Essa eu acho que não conheço.

    - Conhece, sim, é que ninguém mais presta atenção no que eles dizem. O que é acontece, quando o dólar sobe?

    - Não sei bem, não sou economista.

    - Nem precisa ser, é até melhor que não seja. Eu lhe digo o que é que acontece, quando o dólar sobe. Vem um porreta de lá e explica que a notícia é ótima, porque nossas exportações vão vender mais e se escoar melhor. Daí a algum tempo, o dólar desce e o mesmo porreta aparece para dizer que a notícia é excelente, porque facilita a importação de bens de capital pela nossa indústria. Eles querem o quê? Eles querem provar que eu sou burro e otário! Eles querem é me matar, isto é o que eles querem! E eu não posso me defender, porque eles desarmaram todo mundo, só quem pode ter arma é traficante e pivete. É pivete, o nome certo é pivete, não me venha com essa cara de Estatuto da Criança e do Adolescente, criança e adolescente são outra coisa! Qualquer pivete pode aceitar R$ 50 de pagamento para invadir sua casa e matar você e toda a sua família, para depois tudo ficar por isso mesmo!

    - Calma, recobre a calma, comandante, olhe a pressão.

    - Eu não sossego enquanto eles não criarem o bolsa Miami, para estender a todos os brasileiros a realização do nosso maior objetivo de vida, que é fazer compras em Miami. Viva o Ministério do Ócio, da Preguiça e da Moleza! O futuro é promissor e ainda veremos o Brasil de nossos sonhos, em que nenhum de nós trabalhará - um Brasil finalmente feliz, se bem que com um grande superávit de chineses. Eu só posso clamar por guilhotina, guilhotina!

    sábado, abril 26, 2014

    Miriam Leitão Difícil regresso

    o Globo

    A Europa crescerá este ano e o déficit público da zona do euro voltou a 3% do PIB, a meta original do Tratado de Maastricht. Chegou a ser de 6,4%, em 2009. Mas a Europa que sai da crise é mais desigual e com muito mais desempregados. A taxa de pessoas sem trabalho continuará muito mais alta do que antes da crise. A deflação, em estilo japonês, ronda essa recuperação.
    Depois de dois anos de recessão, na segunda queda da crise em W, os europeus saíram do furacão, mas a recuperação ainda será árdua. Esta semana, a Eurostat divulgou que o déficit público na zona do euro caiu à metade, mas os alemães tiveram déficit zero, e os gregos ficaram no vermelho em 12,7%, por causa da retração do PIB. O governo irlandês teve um rombo de 7,2%, e o espanhol, de 7,1%. Os portugueses estão em torno dos 4,9%.
    O consumo vai melhorar, mas com diferenças de ritmo, como se pode ver no gráfico abaixo. As projeções apontam para aumento de gastos dos consumidores em países como Espanha, Itália e Portugal, distante, no entanto, do nível de antes da crise. Na outra ponta, a Alemanha mostra o vigor do consumo, com a França logo atrás.
    A economista-chefe da Coface, empresa francesa de análise de risco, Patrícia Krause, estima crescimento de 1% para o PIB da zona do euro este ano. As exportações estão subindo, apesar do fortalecimento da moeda. O desemprego em países como Espanha, Portugal e Grécia reduziu o custo do trabalho e aumentou um pouco a competitividade das empresas. As exportações gregas para fora da Europa saltaram de 56% para 68% do total exportado, entre 2007 e 2013. Dos italianos, de 53% para 59%, e dos espanhóis, de 42% para 48%.
    O grande drama continua sendo a falta de emprego. O problema apenas parou de piorar. O desemprego na Grécia e na Espanha continua acima de 25%. Em Portugal, mantém-se em 15%, enquanto Itália e Irlanda estão com taxas acima de 10%.
    De acordo com a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, a região enfrenta agora um novo temor: o risco de deflação. Essa ameaça coloca a Europa no mesmo caminho do Japão, ou seja, com risco de ficar um longo tempo com baixo crescimento e retração nos preços.
    — O risco de ruptura do euro ficou para trás, mas o problema da competitividade continua, mesmo com o aumento do desemprego, que diminuiu o custo do trabalho. A pergunta é: o que os europeus vão oferecer ao mundo para crescer mais forte? — diz.
    Essa também é a visão do economista-chefe da Acrefi, Nicola Tingas. Segundo ele, o modelo de bem-estar social europeu entrou em colapso e a região precisará se reinventar.
    — A Europa vai precisar de uma revolução tecnológica e inovação. Ou de uma nova onda de crescimento mundial. Se isso não ocorrer, serão anos de baixo crescimento e queda lenta do desemprego — afirmou.
    De todo modo, é impressionante o caminho já percorrido pela região, que balançava no abismo há dois anos.

    COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO


    “Causa estranheza esse chilique da secretária de São Paulo”
    Tião Viana (PT), governador do Acre, sobre queixas contra a deportação de haitianos


    POLÍCIA ACHA QUE ‘DG’ ESTAVA NA FESTA COM ‘PIT-BULL’

    O dançarino Douglas Pereira, o “DG”, participava de um churrasco na favela, com outros moradores, incluindo “Pit-Bull”, um dos traficantes mais procurados, quando a PM – alertada por denúncia – chegou. A informação é de fontes da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Quem estava na festa fugiu como pôde. “DG” e um amigo tentaram pular para a laje de uma creche no meio do tiroteio. Atingido, “DG” bateu num muro e caiu na creche. O amigo se safou e foi embora.

    A HORA DA FUGA

    O tiroteio começou quando seguranças do traficante atiraram na PM para “fazer contenção” e possibilitar a fuga do “Pit-Bull”.

    SEM TORTURA

    A Polícia Civil também está convencida de que o dançarino “DG” não foi torturado, e que teria morrido em decorrência do tiro e da queda.

    SEM SABER

    Os PMs do tiroteio somente souberam no dia seguinte que havia baleados. Foram outros PMs que recolheram o corpo de “DG”.

    AÇÃO POLÍTICA

    Policiais suspeitam de que a mãe de “DG”, muito articulada, estaria sendo orientada para “desmoralizar a polícia” e o governo estadual.

    PT ATÔNITO: JÁ NÃO HÁ SUBSTITUTOS PARA PADILHA

    A direção nacional do PT e o ex-presidente Lula ficaram atônitos com a denúncia do suposto envolvimento do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha com o doleiro Alberto Yousseff, preso na Operação Lava Jato, da Polícia Federal. É que já não há alternativas no PT para a eventual necessidade de substituí-lo na disputa pelo governo paulista. Lula, que inventou a candidatura Padilha, pediu tempo e calma à direção do PT.

    FORA DE COMBATE

    Os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Marta Suplicy (Cultura) já não podem disputar: perderam o prazo de desincompatibilização.

    ENVOLVIMENTO

    Padilha é acusado de indicar pessoa de confiança para dirigir empresa do esquema Yousseff-Vargas com interesses em seu ministério.

    NEM PENSAR

    Entre petistas ilustres de São Paulo fora da Papuda, a única alternativa que resta a Padilha é impensável para Lula e o PT: Eduardo Suplicy.

    FEIRA SUECA

    Os caças de combate Gripen, que o Brasil comprou da Suécia, podem vir sem vários componentes, sugere o presidente da empresa, Håkan Buskhe, ao jornal Svenska Dagbladet: ainda na fase de acordo, o governo Dilma pode cortar daqui e dali para economizar no contrato.

    SEM VOZ, NEM VEZ

    Membro do grupo do enrolado André Vargas (PR), o deputado Cândido Vaccarezza (SP) foi jogado para escanteio nas últimas reuniões da bancada do PT, antes mesmo de ter o nome envolvido no escândalo.

    ESCOLHIDOS A DEDO

    O líder do PSDB, Antônio Imbassahy (BA), vai recrutar o deputado e promotor Carlos Sampaio (SP) para se juntar aos senadores Mário Couto (PA) e Alvaro Dias (PR) na CPI mista que investigará Petrobras.

    NÃO É PIADA

    Leitor do jornal Notícias, de Maputo, ficou preocupado com a vinda da polícia de Moçambique para ajudar na segurança da Copa: “deveriam ser treinados, eles não estão familiarizados com a violência do Brasil”.

    CHAPA PURA

    Com denúncias envolvendo o PT-PR, a oposição faz piada, dizendo que restará a Gleisi Hoffmann disputar o governo do Paraná com André Vargas de vice, e o pedófilo Eduardo Gaievski ao Senado.

    NA FILA

    Após lançar na terça (15) o governador Jackson Barreto à reeleição em Sergipe, o PMDB agora prepara o lançamento da candidatura do líder do governo, senador Eduardo Braga, ao governo do Amazonas.

    FROTA JUDICIÁRIA

    Diante da “situação irreversível”, o Conselho Nacional de Justiça recomendou cortar “gastos desnecessários” no Tribunal de Justiça do Paraná, que comprou 110 carros novos – 93 para desembargadores, cinco são Toyota Hilux. Aos juízes de primeiro grau, entregaram 23.

    NÃO É NEM LOUCA

    O deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), que acompanhou a entrega do Complexo Portuário Mirituba-Barcarena, afirmou que a presidente Dilma nem tocou no tema Petrobras: “Cairia a república de tanta vaia”.

    SANTO HOMEM

    Deus garantiu lugar para o papa Francisco no Céu, por ter fugido do assédio dos políticos brasileiros, no Vaticano.


    PODER SEM PUDOR

    FLORICULTURA POLÍTICA

    Em 1978, o senador Agenor Maria rompeu politicamente com o líder potiguar Aluizio Alves. Mas o mundo dá voltas e, na disputa de 1982 pelo governo do Rio Grande do Norte, entre José Agripino e Aluizio Alves, Agenor preferiu ficar com o segundo. Um repórter de rádio em Mossoró tenta colocar Agenor Maria no canto da parede:

    - O senhor vai votar em Aluizio, mesmo tendo dito que ele não é "flor que se cheire"?

    O senador Agenor Maria, com verve peculiar, saiu-se assim:

    - É, meu filho, realmente eu disse isso. Mas acontece que o outro candidato nem flor é...

    Marco Aurélio Nogueira: Farol alto


    - O Estado de S. Paulo
    Exceção feita aos temas macroeconômicos, do trabalho e da renda, a agenda nacional dos próximos anos está destinada a orbitar três pontos estratégicos: educação, saúde e mobilidade urbana, esta última abraçada com a segurança pública, as várias dimensões da infraestrutura e da gestão de cidades.
    Além de estar na boca do povo, essa constatação vem sendo reiterada por diferentes analistas, operadores políticos e técnicos governamentais de distinta orientação. É de esperar, portanto, que figure em posição de destaque na plataforma dos candidatos que disputarão a Presidência da República em 2014.
    Daqui para a frente, nenhum governo fará a diferença sem enfrentar com determinação e criatividade aquele tripé. Seja qual for o partido que governe, estará obrigado a fornecer respostas efetivas a ele, por onde passa boa parte do bem-estar da população e do futuro do País.
    Isso significa, antes de tudo, que será preciso incrementar a cooperação entre os entes federados, já que não há como fixar boas políticas para aquelas áreas se os gestores operarem de forma isolada e autossuficiente. Políticas públicas continuam a ser políticas de Estado, e precisamente por isso têm mais chance de sucesso quando as instâncias por elas responsáveis dialogam entre si e trabalham umas com as outras. Educação, saúde e transportes não são definidos unilateralmente por Brasília, mas envolvem e dependem dos governos estaduais e municipais.
    A solidão dos gestores também não faz sentido numa época que elogia a participação e a cidadania ativa. Políticas públicas que não nasçam da interação com a sociedade civil crescem tortas. Tornam-se pouco sustentáveis e expostas ao risco da descontinuidade ou da ineficácia. Ficam, também, mais intransparentes e suscetíveis a desvios e malversações.
    Cooperação, coordenação, transparência e participação social - quanto mais houver disso, maiores as chances de sucesso.
    Serão necessárias, também, evidentemente, clareza e consistência na formulação: uma boa teoria sociológica de base, diretrizes, princípios e metas - coisas que têm existido entre nós, mas de modo errático. Somos uma sociedade em que os políticos e os gestores se acostumaram a atuar com promessas vagas e genéricas, sem rigor técnico, mais preocupados com dividendos eleitorais e prestígio do que com resultados. É uma cultura que precisa ser enterrada.
    Somada à dimensão orçamentária, com suas oscilações inevitáveis, a ausência de boas formulações técnico-políticas produz impacto catastrófico na qualidade do que se faz, comprometendo o desempenho governamental e prejudicando a população. Há dotações, parâmetros orçamentários, obrigações constitucionais, há boa vontade dos gestores e empenho de parlamentares atentos ao estado geral da Nação. Mas tudo parece insuficiente, seja porque sempre faltam recursos, seja porque se gasta mal.
    É impossível detalhar, aqui, cada um destes pontos. Mas é possível destacar os vetores que os articulam, aquilo que poderia mudar a situação e representar um expressivo ganho de escala no enfrentamento da agenda estratégica.
    O principal desses vetores está no campo político. Ele é o que pode produzir mudança e garantir avanços. E é, também, onde estão os maiores obstáculos. O sistema político não ajuda, os partidos falham em suas funções, os representantes são, na maioria, pouco preparados para interagir com a complexidade adquirida pela vida social. Tudo isso arrasta consigo os governos e a gestão pública.
    Faltam ações focadas na construção de uma agenda nacional, de um projeto de sociedade. Todos apontam para a relevância da saúde, da educação e da mobilidade urbana, mas cada ator fala para seu próprio público: não debate, não interage nem se comunica com os demais. Ninguém dialoga com o povo e a sociedade civil. Não se disputa a hegemonia. A péssima qualidade do debate democrático prova isso.
    Não se leva na devida conta que o capitalismo que hoje se tem no Brasil foi fruto de uma colaboração real (não intencional e não consciente) das duas principais forças políticas do País, o PSDB e o PT. Do combate à inflação e das medidas voltadas para estabilizar a moeda (governos FHC) às políticas de inclusão social e de apoio ao consumo popular (governos Lula/Dilma), a ação governamental impulsionou o capitalismo. Houve muito, é verdade, de imposições da globalização do capitalismo, que comprimiu o campo das escolhas governamentais. Mas o protagonismo político existiu e foi importante.
    PT e PSDB, porém, em vez de explorarem a parceria, optaram por declarar guerra um ao outro, com o propósito de ocupar espaços de poder e salientar, mediante uma retórica simplista, exagerada e caricata, aquilo que os distingue. Estabeleceram um pacto informal: não coopere comigo que contigo não cooperarei. Deixaram, assim, de contribuir para completar a construção que empreenderam, pouco fizeram para suavizar o capitalismo e propor à sociedade outro modo de produção e de organização econômico-social, outro padrão de convivência.
    Se convergências explícitas e programáticas entre os dois pilotos tivesse havido, as coisas teriam sido melhores. Haveria um bloco reformador hoje no País, ao qual se vinculariam o PSB e os demais partidos democráticos. Sua força magnética seria tanta que isolaria os setores retrógrados e empurraria o PMDB de volta às origens.
    Falar isso em ano eleitoral é puro wishful thinking. Nos próximos meses, discursos maniqueístas e verborrágicos dominarão o cenário. É a lógica da política e da luta pelo poder. Mas não há por que arquivar as esperanças. O tempo para ajustes e articulações encolheu, mas ainda existe. Sempre é hora para que se acenda o farol alto e se descortine o horizonte.
    *É professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp

    Igor Gielow: Padilha no fogo


    - Folha de S. Paulo / EBC
    Ainda é cedo para saber se as suspeitas sobre o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha são isso ou algo mais. Politicamente, contudo, já há quem o veja como um candidato a morto-vivo após ter seu nome envolvido no cipoal de André Vargas e o doleiro Youssef.
    Os fatos sugeridos são graves e, mesmo que nada seja provado até o fim da campanha, seria desastroso para Padilha permanecer nas páginas policiais ao longo da disputa. Se algo o for, bom, aí seria fatal.
    Por isso, desde quinta-feira à noite os atores do mundinho político discutem os riscos à candidatura ao governo de São Paulo do "terceiro poste de Lula", como Padilha é conhecido entre correligionários --numa tentativa de invocar o sucesso eleitoral dos antecessores Dilma e Haddad.
    Se Padilha acabar abatido pelo escândalo, Lula estará num mato sem cachorro. Ele apostou todas as fichas no jovem e enérgico ex-ministro para tentar apear os tucanos da fortaleza que comandam há duas décadas.
    Apesar da posição confortável nas pesquisas, o governador Geraldo Alckmin sofre de fadiga de materiais justamente por essa longevidade do PSDB no poder. Além disso, o cartel dos trens e a sombra de um racionamento de água no carregado ambiente social pré-Copa tornam o ambiente especialmente volátil.
    Sem Padilha, não há alternativa óbvia para o PT. Aloizio Mercadante, José Eduardo Cardozo e Marta Suplicy ficaram na Esplanada, e o prazo de desincompatibilização já passou.
    Exceto que Lula siga a sugestão feita em 2012 pelo marqueteiro João Santana e saia candidato ao Bandeirantes, não há figurão à mão. Nem poste a ser erguido em tempo hábil.
    Há uma solução politicamente impensável até anteontem: o PT cair no colo do PMDB e apoiar de cara Paulo Skaf, que está viabilizado como candidato competitivo até segunda ordem. Seria uma humilhação e tanto para Lula e o partido, mas os prazos são curtos, e Padilha está no fogo.

    Zuenir Ventura: De volta à terrinha


    Em 1974, Portugal estava dividido entre os que já tinham se esquecido da liberdade e os que não a tinham conhecido
    - O Globo
    Estou voltando a Portugal 40 anos depois. Já vim outras vezes, mas esta é especial, porque foi para as comemorações da Revolução dos Cravos, uma de minhas coberturas jornalísticas mais emocionantes. Escrevi então que desembarcara em Lisboa “em meio a uma saudável confusão que lembrava carnaval, celebração de vitória esportiva e comício político — uma festa cívica como Portugal não via há quase 50 anos e com a qual o Brasil sonhava há dez”. De fato, um mês antes, completávamos uma década de golpe militar. A explosão de alegria dos lisboetas reencontrando o prazer da rua era um “incrível espetáculo para quem chegava de fora. Sem qualquer objetivo definido, eles pulavam, cantavam, corriam e, sobretudo, falavam. Era como se tivessem descoberto a própria voz”, pois o país estava dividido entre os que já tinham se esquecido da liberdade e os que não a tinham conhecido.
    Contagiado pela euforia daquele povo que de repente se embriagava de liberdade, eu me sentia como se aquela conquista fosse um prenúncio. Era como se estivesse chegando a hora de derrubarmos também a nossa ditadura. Glauber Rocha, que estava na Itália ainda coberto de lesões morais, foi encontrar-se comigo em Lisboa. No mês anterior ele me dera uma entrevista elogiando Geisel, chamando o general Golbery de “gênio” e afirmando que os militares eram “os legítimos representantes do povo”. Como consequência, sofrera um linchamento simbólico no Brasil e na Europa — era um traidor, vendido à ditadura.
    Filmando as festas do 1o de Maio, ele parecia estar indo à forra. Seus detratores iriam ver que ele tinha razão. Com uma câmera emprestada, registrava aqueles acontecimentos como que se preparando para em breve fazer o mesmo no Brasil. O diretor de “Deus e o Diabo na terra do sol” morreu sem ver a liberdade, que de resto não irrompeu aqui da mesma forma intempestiva, mas a conta-gotas. A democracia levou mais uma década para chegar, e chegou cheia de cuidados, como que pedindo licença. Chico Buarque e Ruy Guerra haviam cantado com ironia em “Fado tropical” que o Brasil iria ser um imenso Portugal em matéria de atraso político. De repente, o pesadelo virara sonho, e passamos a querer ser de fato um imenso Portugal pela lição que estávamos recebendo.
    Hoje, o país enfrenta uma séria crise econômica, com desemprego, queda de salários e corte de aposentadorias. A austeridade imposta pela Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), em troca de assistência financeira, está provocando uma insatisfação generalizada. Mas, apesar disso, ditadura nunca mais, espera-se.

    Merval Pereira: Sim às UPPs

    - O Globo

    O governo do Estado do Rio está mais uma vez enfrentando um conjunto de problemas que se retroalimentam no que é o seu projeto mais importante, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas.

    Alvos de uma campanha popular movida a indignação, por mais um assassinato, o do dançarino Douglas Rafael Pereira "DG", as UPPs são também objeto de ardis dos traficantes, que se aproveitam do trauma provocado pela morte na comunidade para tentar desmoralizar o símbolo da política de Segurança mais efetiva já colocada em prática no Rio nos últimos muitos anos.

    Cartazes com "Fora, UPP" e "UPP assassina" servem necessariamente aos bandidos, que lutam para recuperar os territórios ocupados pelas forças do Estado, e paradoxalmente são auxiliados pela péssima fama dos policiais, representantes desse mesmo Estado, cuja atuação, muitas vezes atrabiliária, em vez de levar segurança à comunidade, leva o terror em nome do Estado que deveria defendê-la.

    O terror da parte podre, que faz com que a culpa da polícia seja a hipótese mais plausível nesses casos, no entanto, não pode inviabilizar o esforço de controle e pacificação dos territórios ocupados há 30, 40 anos por bandidos que hoje já fazem parte do tráfico internacional de drogas e estão muitas vezes mais armados do que a própria polícia que os combate.

    São esses bandidos que historicamente implantaram o terror nas comunidades e hoje estão sendo confrontados pelas forças do Estado pela primeira vez em muitos anos. É uma questão que não se resolve senão com o tempo, com uma reforma radical na polícia e uma ação social que ainda engatinha, apesar das cobranças do próprio secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame.

    Mesmo que haja dúvida sobre se a violência está provindo da deficiência das políticas sociais, não pode haver dúvida sobre a necessidade delas na tentativa de solução. A própria presença do tráfico, porém, impede que a violência seja reduzida, mesmo nos locais onde há alguma presença social do Estado.

    A realidade está mostrando que a estratégia de afugentar os bandidos com a chegada do Exército e outras forças policiais não resolve a questão, pois, se o principal objetivo é recuperar o território, ele fica prejudicado com a permanência dos bandidos fora da prisão, que sempre tentarão reaver seus domínios.

    A corrupção da polícia é outro problema básico. Os policiais que mataram Amarildo faziam parte dessa nova geração de policiais das UPPs, que recebem um treinamento diferenciado com sentido de pacificação, mas o mais das vezes não estão em condições de executá-lo sob pressão. Ou se deixam corromper pelo tráfico.

    A população está descontente com a atuação da polícia em várias comunidades, do que se aproveitam os traficantes. Encarar uma guerra em que o tráfico está mais bem aparelhado, e num terreno que eles conhecem melhor, traz insegurança ao policial e, em consequência, ao cidadão.

    Há ainda a violência política de grupos que se utilizam das manifestações para conturbar o ambiente. O governador Pezão diz que, desde as manifestações de junho, o tráfico se aproveitou e tentou desestabilizar algumas UPPs, principalmente as que atuam onde há mais interesses comerciais, mercados consumidores fortes, como Rocinha e Pavão-Pavãozinho.

    São 30 a 40 anos de uma ocupação pesada do tráfico, muito dinheiro circulando, analisa ele, e não vai ser com quatro, cinco anos de ocupação que o governo vai conseguir acabar com gerações de traficantes que vivem disso há muito tempo.

    Acho que as UPPs têm que se transformar em política de Estado, e não de governo, com enfoque especial nas políticas sociais e na reformulação da polícia. (Amanhã, o enfoque social)

    Celso Ming - Parou de piorar

     O Estado de S.Paulo

    As contas externas já não estão piorando com a mesma rapidez de há alguns meses, mas é cedo para concluir que a recuperação seja sustentável.

    A principal surpresa positiva é a manutenção de forte entrada de capitais por meio do Investimento Estrangeiro Direto (IED). Só em março, foram quase US$ 5 bilhões. O Banco Central espera que esses recursos cubram pelo menos 80% do rombo em Conta Corrente, que é tudo o que o País gasta e recebe em moeda estrangeira, excluídos os movimentos de capital.

    Sem ter sido tão surpreendente, também tem sido forte a entrada de dólares destinada a aplicações financeiras no Brasil. No primeiro trimestre do ano passado, entrou nessa conta apenas US$ 1,5 bilhão; no primeiro trimestre de 2014, foram US$ 12,2 bilhões. O governo prefere dizer que este é um sinal de confiança dos investidores estrangeiros na política econômica. Não é bem assim. Esses são capitais de curto prazo que vêm para aproveitar os juros altos vigentes aqui, as chamadas operações de arbitragem com juros. Há dois anos, o governo condenava essas operações e chegou a desestimulá-las com taxação por meio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Agora, que precisa de mais dólares, prefere festejá-las. Esses recursos são como patos assustados, sempre prontos para levantar voo a qualquer barulho suspeito. Por isso, já é menor a qualidade da cobertura do rombo externo.

    A conta-chave é a Balança Comercial (exportações menos importações). Os produtos brasileiros de exportação vêm perdendo preço e enfrentam a baixa competitividade da indústria nacional. Mas as importações vêm caindo menos que as exportações, em consequência do ainda forte consumo interno e da baixa demanda externa, especialmente da União Europeia e da Argentina.


    Rolf Kuntz O Brasil do banquinho de três pernas

     O Estado de S.Paulo

    Monteiro Lobato criou um símbolo perfeito para o governo comandado pela presidente Dilma Rousseff, ao sintetizar no banquinho de três pernas o mobiliário e as ambições do caboclo. Para que quatro pernas, se três o sustentam e ainda evitam o trabalho de nivelamento? Os banquinhos do governo estão desenhados com perfeição nos principais indicadores e projeções da economia nacional, aceitos comodamente pelo grupo no poder. O aumento de preços na vizinhança de 6% é um bom exemplo de como funciona essa filosofia de Jeca Tatu.

    O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu nesta semana, para o fim do ano, uma inflação dentro do limite de 6,5%, ponto extremo da margem de tolerância. A taxa anual até poderá ultrapassar essa marca nos próximos meses, mas em seguida - palavra de ministro - vai recuar e permanecer na área delimitada. Meta de 4,5%? Nem pensar, pelo menos por alguns anos.

    Crescimento econômico? Muito bom, se chegar a 2,5% em 2013, como está indicado no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Contas externas? O Banco Central projeta para o ano um déficit em conta corrente de US$ 80 bilhões, muito parecido com o de 2013 (US$ 81,07 bilhões) e ainda perto de 3,6% do produto interno bruto (PIB), onde tem permanecido, sem grande agitação, desde março do ano passado.

    Forçado a se mexer para atiçar o fogo, e de vez em quando provocado, o governo-Jeca se compraz na recitação monótona de façanhas discutíveis e ainda se permite, de vez em quando, alguma bravata. Uma das preferidas é a comparação das contas públicas brasileiras com as dos países mais avançados. Mas até essa lenga-lenga está ficando insustentável, porque os governos do mundo rico, menos propensos ao comportamento de Jeca Tatu, andaram tomando providências para melhorar as finanças. Resultado: o Brasil ficou muito pior na foto.

    Segundo o Eurostat, o escritório de estatísticas da União Europeia, os 28 países do bloco reduziram seu déficit fiscal para a média de 3,3% do PIB no quarto trimestre de 2013. Nos 18 países da zona do euro a média diminuiu para 3%.

    No Brasil, o déficit nominal das contas públicas (resultado total, como se mede em quase todo o mundo) ficou em 3,26% do PIB no ano passado e chegou a 3,3% nos 12 meses terminados em fevereiro deste ano. Não dá mais para esnobar os europeus, se forem consideradas aquelas médias.

    Mas a bravata é igualmente insustentável quando se considera a maior parte dos resultados individuais. Em 18 dos 28 países do bloco maior o resultado fiscal de 2013 foi melhor que o brasileiro. Entre os 18 estão duas das maiores economias, a Itália, com 3% de déficit, e a Alemanha, com zero. Em quase todas as outras os resultados melhoraram de forma consistente entre 2010 e 2013. Além disso, também as economias mais afetadas pela crise começaram a vencer a recessão e suas perspectivas são de maior crescimento nos próximos anos.

    Mas a dívida pública brasileira, pode insistir algum dirigente brasiliense, é menor que a da maior parte dos europeus como porcentagem do PIB. É verdade, mas esse argumento seria muito mais relevante se a classificação de risco do Brasil fosse tão boa quanto a desses países e se, além disso, os títulos brasileiros fossem aceitos no mercado com as taxas de juros cobradas dos governos europeus.

    Além disso, ninguém acusou esses governos de ter recorrido a criatividade contábil para fechar seus balanços nos últimos anos, nem a truques para disfarçar indicadores incômodos, como a taxa de desemprego. Lances desse tipo têm sido frequentes no Brasil, mas em geral para outras finalidades. Empenhado em administrar os índices, em vez de cuidar da inflação, o governo tem controlado os preços dos combustíveis e recorrido a prefeituras e governos estaduais para conter as tarifas do transporte público. Além disso, forçou a contenção das tarifas de energia elétrica, impondo perdas a empresas do setor e pesados custos adicionais ao Tesouro.

    Inútil no combate à inflação, essa política fracassada e desastrosa ainda levou o governo a tentar novas mágicas para disfarçar seus efeitos fiscais. Uma das saídas foi a montagem de um estranho esquema de financiamento bancário - R$ 11,2 bilhões - à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), uma entidade sem fim lucrativo e sem garantias próprias para oferecer aos bancos. A garantia será dada pelas distribuidoras e dependerá das tarifas cobradas. O custo será incluído no cálculo das novas tarifas a partir de 2015. Toda essa complicação, incluídos os juros do financiamento, seria evitada sem a demagogia da contenção de tarifas.

    Políticas desse tipo são tão eficientes quanto as rezas de benzedeiras em atividade nas Itaocas de Monteiro Lobato. Sua serventia principal é poupar à autoridade - o Jeca de plantão - o trabalho de pensar seriamente e de enfrentar tarefas desagradáveis. Sem disposição para fazer o necessário, resta ao caboclo em função pública inventar meios de contemporizar e de empurrar os problemas para a frente. Inflação longe da meta de 4,5% em 2015 e crescimento econômico de 3%, também indicados no projeto da LDO, combinam com a filosofia do tripé.

    Alguns se deixam contaminar pelo conformismo do Jeca e até enganar por sua esperteza rasa. A conversa sobre a criação de empregos é parte dessa esperteza. As demissões na indústria e a baixa qualidade dos postos criados no setor de serviços são temas postos de lado, assim como se tentou fazer com a pesquisa continuada por amostra domiciliar. Esta pesquisa - coincidência notável - vinha apontando taxas de desemprego maiores que as da pesquisa tradicional, mais limitada territorialmente. Para que pensar em modernização econômica, educação séria e criação de empregos decentes, se é muito mais cômodo levar adiante a conversa mole?

    quarta-feira, abril 23, 2014

    CELSO MING-Preço via custos

    - O Estado de S.Paulo
    A presidente Dilma parece ter uma noção equivocada do que sejam e de como se devem formar os preços da economia. É daí que derivam alguns dos maiores erros econômicos dos últimos três anos.
    Para ela, os preços devem refletir os custos e não o resultado do enfrentamento entre oferta e procura. Quando, em 2012, definiu a redução de 20% das tarifas da energia elétrica (MP 605/2013), seu raciocínio foi de que a maioria das concessões das hidrelétricas estava próxima do vencimento. A renovação só seria admitida com a redução de tarifas imposta pelo governo. Algumas geradoras não aceitaram a regra e passaram a vender seus quilowatts no mercado livre (spot). Depois veio a seca, a queda dos níveis dos reservatórios e a necessidade de acionar as termoelétricas, responsáveis hoje por cerca de um terço da oferta de energia elétrica no Brasil. O resultado foi o desastre que se viu e que ainda se verá. Os preços explodiram porque a oferta ficou menor do que a demanda.
    Agora, o governo está autorizando as concessionárias a repassar reajustes de 15% a 30% nas tarifas ao consumidor, e isso se deve só a custos passados. Outros reajustes de peso serão inevitáveis. Ninguém sabe se, uma vez recuperados os níveis dos reservatórios e desativadas as usinas térmicas, as tarifas serão ajustadas de novo para baixo, ou se voltará a prevalecer a lei da oferta e da procura.
    O tabelamento pelos custos aconteceu, também, quando da fixação da Taxa Interna de Retorno dos investimentos (lucro das operadoras) prevista nas novas concessões. Foi o fator de maior atraso das concessões.
    O mesmo critério deveria prevalecer, também, no regime de spread bancário (juros cobrados nos empréstimos) e nos preços dos combustíveis e do etanol. Os resultados foram os desastres ou quase desastres já conhecidos.

    domingo, abril 20, 2014

    Risco de racionamento Miriam Leitão



    Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel - 
    20.4.2014
     | 
    9h00m
    COLUNA NO GLOBO


    O consultor Mário Veiga, que tem uma das mais respeitadas consultorias de energia do mercado, acha que é “recomendável” que o governo decrete racionamento a partir de maio. Sabe que isso não será feito e o risco é o de que se chegue ao fim do ano com apenas 10% de água nos reservatórios, o que seria uma situação “desesperadora” e forçaria um racionamento mais drástico.
    Veiga, em entrevista que me concedeu na Globonews, deu um número assustador para a conta que está se acumulando entre 2013 e 2014 pela decisão da presidente Dilma de reduzir o preço da energia:
    — Em 2013, a compensação pela redução ficou em R$ 18 bilhões, sendo que R$ 10 bilhões serão pagos pelo consumidor a partir do ano que vem, o resto o contribuinte pagou através de subsídios do Tesouro. Em 2014, serão R$ 10 bilhões do Tesouro e mais empréstimos às distribuidoras entre R$ 12 bi a R$ 24 bi. Ao todo, a conta chega a R$ 50 bilhões no pior cenário, e isso será pago em parcelas em cinco anos, o que dá 7% de aumento real por ano sem falar em outros custos.
    A situação chegou nesse ponto por vários motivos. Um deles é que o governo errou e não fez os leilões necessários para permitir que as distribuidoras contratassem toda a energia que têm que fornecer:
    — As distribuidoras têm zero de culpa. O governo falhou ao não fazer o leilão. Pela lei, as empresas têm que comprar em leilão toda a energia que vão vender. É como se fosse assim: como vai chover, a pessoa tem que comprar guarda-chuva. A lei manda que todos tenham guarda-chuva. Sempre houve pequenos problemas, mas que as distribuidoras pagavam e depois, no reajuste anual da tarifa, se compensavam. Só que agora houve um grande vencimento de contratos. Uma quantidade brutal de energia ficou sem contrato. Venceram 8.600 megawatts médios.
    Isso desequilibrou as empresas financeiramente, porque elas têm que pagar um custo muito maior do que podem cobrar dos consumidores:
    — Elas foram ao governo e disseram que iriam quebrar. O custo é de R$ 10 bi e isso é mais do que toda a renda das empresas somadas.
    Mário Veiga disse que há um mistério no setor de energia: mesmo em anos em que a hidrologia é boa e começa-se com um nível alto nos reservatórios — isso aconteceu em 2010 e 2012 — o ano termina com baixo volume de água nos reservatórios. Ele fez cálculos, simulou o que houve em anos anteriores e como deveria ter se comportado o nível de água. Pelo modelo do governo, dá sempre mais do que realmente há de água poupada:
    — Diante de um mistério como esse, tem que se fazer como Sherlock Holmes: eliminar todas as causas impossíveis e aí a causa possível é a mais provável.
    A causa possível é que as hidrelétricas estão gastando mais água para gerar o volume previsto de energia:
    — Alguns reservatórios são enormes, maiores que a Baía de Guanabara, e se medem calculando a profundidade. Mas é necessário atualizar o cálculo do fundo do reservatório porque pode haver assoreamento e sedimentos. Há décadas ninguém atualiza essas contas.
    Então, mais do que não fazer investimento em aumento da eficiência das atuais hidrelétricas, o governo não tem sequer feito análises para saber quanto de água realmente há nos reservatórios e qual a dimensão deles. Toma como garantido a situação inicial desses reservatórios. Veiga compara o comportamento a uma pessoa que compra um carro zero que faz 30 quilômetros por litro e que com o passar do tempo perde eficiência, mas o dono continua contando com aquele mesmo consumo:
    — O comportamento das hidrelétricas, a água que elas gastam para produzir cada MWh é maior do que está nas projeções oficiais.
    Ele disse que é possível ver esse desequilíbrio avaliando as projeções do governo nos anos recentes em que, mesmo quando a situação estava normal, a queda de água foi maior do que o previsto. Este ano, piorou.
    — Este ano, a situação está ruim. Vamos chegar ao fim de abril com 37% de água armazenada nos reservatórios. Numa análise de 18 anos, este é o segundo pior número. Só superado por 2001, o ano em que houve aquela coisa que não se pode falar a palavra.
    Ele acha que seria prudente o governo começar a falar a palavra racionamento e no próximo mês, mas sabe que ele não será prudente. Isso aumenta a conta hidrológica e financeira para 2015. Até 2020 estaremos pagando essa conta.

    E o real vira sonho -Ferreira Gullar - Folha de S.Paulo

    E o real vira sonho - 20/04/2014 - Ferreira Gullar - Colunistas - Folha de S.Paulo

    Fui ao Museu de Arte Moderna do Rio a fim de ver as obras do hiper-realista Ron Mueck, numa terça-feira, para conseguir entrar, uma vez que, nos fins de semana, as filas são intermináveis. Mas eu tinha que ver essa exposição porque ela punha em questão uma tese minha.

    Quem costuma me ler conhece a tese: tenho afirmado que, ao contrário do que se costuma dizer, a arte não revela a realidade, mas a inventa. Se isso for verdade, a conclusão inevitável é que o realismo —ou seja, a arte que pretende copiar a realidade— será arte menor. Então, o surrealismo seria arte maior? Não, não é tão simples assim. Pode ser, pode não ser.

    Na verdade, mesmo quando um pintor procura, em sua tela, retratar fielmente uma paisagem, não o conseguirá, pelo simples fato de que a paisagem que tenta retratar pode medir quilômetros e sua tela medirá, digamos, um metro por um metro. Quero dizer com isso que é impossível representar fielmente a realidade, pelo fato mesmo de que a imagem da montanha não é a montanha, por mais fiel que seja a cópia realizada pelo pintor. Por isso mesmo, o que deu uma nova qualidade à pintura moderna foi precisamente a descoberta de que a arte é um modo outro de nos fazer ver a realidade; ou seja, a maçã pintada não é a maçã real —é pintura. Por isso mesmo, quando o pintor quer fingir que a maçã pintada é a maçã mesma, imprime-lhe certa falsificação. A pintura moderna, a escultura moderna, não fingem que reproduzem realidade mas, sim, a inventam.

    Em face dessas considerações, como ficam as obras de Ron Mueck, expostas no MAM do Rio? Como era terça-feira, não havia tanta gente na fila mas, lá dentro, já um número considerável de visitantes se acumulava em torno de cada uma das obras expostas. A primeira que vi era uma galinha morta, pendurada pelos pés e depenada. A semelhança com o bicho de verdade era total: as unhas dos pés, as escamas das pernas, o pescoço, a cabeça do animal, com crista, os olhos e o bico. Tudo igual à galinha real, menos num ponto: essa galinha de Mueck é gigantesca, umas dez ou quinze vezes maior que a de verdade.

    Aliás, é nisso que as suas figuras se diferenciam das figuras reais: pelo tamanho. A figura de um menino negro, por exemplo, está ali em tamanho reduzido e isso contraria-lhe o realismo, do mesmo modo que o gigantismo do casal, que aparenta estar numa praia, também o torna, por assim dizer, " não real". Esse contraste entre a extrema e minuciosa imitação das pessoas reais e a desproporção do tamanho imprime às figuras uma chocante estranheza que as transforma em aparições, seres oníricos, irreais.

    Ron Mueck é um artista bem diferente dos demais (e isto num momento em que a extravagância tomou conta das artes). Numa época em que a linguagem artística afastou-se da representação da realidade, vem ele, não apenas representá-la, como representá-la a ponto de sua representação se confundir com a própria realidade. Isso por um lado; por outro lado, embora ele se aproxime, na sua arte, do gosto popular, usa de recursos modernos e sofisticados, como materiais produzidos pela tecnologia avançada, como poliéster, resina de vidro, fibra de acrílico, poliuretano, além de tecidos especiais.

    Não obstante, se não estou enganado, essas obras de Ron Mueck não são, de fato, esculturas, se as comparamos com o que, através dos séculos, se definiu como tais. Certamente, embora as obras de um Praxíteles ou de um Michelangelo difiram das de Rodin ou de Brancusi, há entre elas traços qualitativos e expressivos que as identificam esteticamente, uma vez que sua expressividade reside, basicamente, na harmonia dos volumes e das superfícies, quer sejam essas esculturas figurativas ou abstratas.

    Já as obras de Mueck não têm tais características nem tais preocupações definidoras da linguagem escultórica: o que esse artista busca é a cópia fiel das formas humanas, em seus mínimos detalhes e a tal ponto que pareçam seres humanos de verdade, postos ali diante de nós. Esse realismo só é violado, como já disse, pelo tamanho que ele dá a essas figuras, ou desproporcionalmente maior ou menor que na realidade têm. Por isso mesmo, ora parecem bonecos, ora parecem fantasmas.


    O dinamismo da economia - João Ubaldo Ribeiro - Estadão

    O dinamismo da economia - cultura - versaoimpressa - Estadão

    Antes de seu mais recente sumiço, no que se acreditou ser um afamado torneio de pôquer internacional em Pilão Arcado, Zecamunista andou conversando muito sobre consultorias.

    - Não sei se você já notou - disse ele. - Agora só se fala em consultoria. Alguém recebe ou paga uma bufunfa que não dá para explicar e aí diz que foi por serviços de consultoria. É mole, qualquer um pode dar consultoria e qualquer assunto serve. O consultor não precisa nem saber ler, basta ser bom em cuspe à distância, por exemplo. O sujeito explica à Polícia Federal que depositou cem milhões na conta do compadre roceiro, em paga por serviços de consultoria sobre cuspe à distância. Sempre apreciou esse difícil esporte e pagou a consultoria para melhorar sua marca e atingir um nível internacional. O jornal agora anda cheio dessas coisas, acho que não tem mais nenhuma roubalheira ou lavagem de dinheiro sem consultoria no meio. Era de uma atividade econômica assim que a gente estava precisando aqui na ilha.

    - E você acha que uma coisa dessas ia dar certo aqui?

    - Não, assim nesses moldes, claro que não, até porque íamos chegar muito atrasados, o campo está todo tomado. E sozinhos não temos força para bancar a ideia que estou tendo aqui, é coisa para a união de todo o Recôncavo.

    Seus olhos brilharam, sob a aba do boné com as insígnias do Pacto de Varsóvia estampadas, recebido como herança do falecido companheiro de lutas clandestinas Marcelino Kremlin, que não foi registrado com este sobrenome, mas nunca se soube qual o verdadeiro. Não, disse ele, soterrando a cabeça no boné com decisão, não me contaria o que ia fazer, depois eu viria a saber, através dele próprio. E, sem mais uma palavra, deixou o Bar de Espanha e aparentemente a ilha, para dar as caras somente muitos dias depois.

    Cabe agora um parêntese para informações importantes. Em algumas poucas ocasiões, mencionei aqui o Lupanar do Moura Ltda., tradicional firma do ramo do entretenimento erótico, sita em Nazaré das Farinhas e já por várias gerações administrada, com discrição, espírito público e competência, pelo clã dos Mouras, desde o dia remoto, ainda no fim do século 19, em que aportou à cidade o português Nuno Almeida Moura, disposto a jamais pôr os pés de volta em Portugal. Pois que, segundo até hoje narram os contadores de histórias, entre arrepios e esgares, fora vítima de tão medonho corneamento que, ouvi-lo descrito, enregelava nas veias o sangue de qualquer marido. Mas, espanou a poeira dos borzeguins, ergueu a cabeça com altivez, percebeu a demanda reprimida, abraçou a cidade, fundou seu estabelecimento e foi à luta.

    Começou, então, a trajetória vitoriosa do Lupanar do Moura, que inovou desde seus primeiros dias, oferecendo uma tabela com preços adequados a vários segmentos de consumidores e iniciativas promocionais de grande visão mercadológica. Havia descontos especiais para o desfrute simultâneo das atenções de duas mulheres-damas (tipo "pague uma e meia e leve duas"), para estudantes, para militares e assim por diante. As promoções funcionam até hoje, embora, nestes tempos politicamente corretos, algumas tenham sido postas de lado, como a do Dia do Anão, que fez tanto sucesso que foi transformado na Semana do Anão - e dizem que, durante os vários anos em que rolou, vinha anão até da América do Norte, para tomar parte na indescritível fuzarca.

    Assim de cabeça, não dá para rememorar nem uma pequena fração dos feitos e episódios que fizeram o renome do Lupanar, a exemplo do sucedido com o finado Zenóbio Merdinha, donzelão já quase desenganado para o sexo, com uns quarenta anos de irresignada virgindade nas costas, por todos deplorada, para grande vergonha sua e de seus familiares. Quando soube do caso, o então gerente da casa, Manelão Moura, considerou afrontosa tal ocorrência em seu território, mandou buscar Zenóbio em Itaparica, chamou uns amigos, deu uma festa e tacou em cima dele o Trio Maravilhoso Regina, conjunto poderosíssimo, composto por Regina Roda Viva, Regina Vai-Vai e Regina Boa Manobra, uma carioca, uma paulista e a outra sergipana, uma coisa fatal mesmo. No início, Zenóbio confirmou a reputação de astenia das vias luxuriosas, mas, após umas duas horas de empenho por parte do Trio, dizem que passou a ser homem de entrar lá na quarta de tarde e só sair na segunda ao meio-dia, obrigando todo mundo a fazer hora extra, até se dar seu glorioso passamento, quase aos noventinha e ainda freguês às terças, quintas e sábados.

    E bem mais poderia ser contado, mas isto já é suficiente para que se compreenda o alvoroço instaurado depois que Zecamunista regressou à ilha com a novidade de que havia armado um esquema envolvendo não apenas o Lupanar do Moura, mas diversos congêneres respeitados em todo o Recôncavo. Previa que esse esquema iria reviver o dinamismo da economia da ilha e da região. Os serviços prestados pelos estabelecimentos filiados continuariam os mesmos de sempre, mas agora funcionários públicos, prefeitos e políticos em geral iam poder pagar normalmente por esses serviços com dinheiro público, sem precisar esconder nada, até com um sub ou um superfaturamentozinho, para adoçar a situação. Abrira-se um grande mercado, ia entrar dinheiro.

    - Ah, vai ser tudo consultoria, como você falou antes.

    - É, mais ou menos, só que eu vou aproveitar para fazer uma campanha educativa e usar o nome certo para esse tipo de transação, seja no Moura, seja em Brasília. O que se faz aqui no Brasil tem outro nome.

    - Eu não sabia que havia um nome certo para isso.

    - Mas há - disse ele. - Não é consultoria, é consultaria. E o consultor não é consultor, é consulteiro. Acompanhou meu raciocínio?






    Enviada do meu iPad

    Arquivo do blog