Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 30, 2011

Verdades ofendem - Dora Kramer



O Estado de S. Paulo - 30/09/2011
 
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, acabou dando uma boa contribuição ao debate sobre a correção geral de condutas, ao reagir com rudeza, corporativismo e autoritarismo à constatação da corregedora-geral da Justiça, Eliana Calmon, sobre a existência de "bandidos de toga" no Judiciário.
A declaração da juíza nem teria alcançado tanta repercussão não fosse o desejo do ministro de humilhá-la com a admoestação grosseira e a exigência de uma retratação, de resto não atendida numa demonstração de que Eliana Calmon na condição de corregedora é a pessoa certa no lugar certo.
Resultado: a contrarreação de solidariedade à ela e à preservação dos poderes do Conselho Nacional de Justiça impediu que o Supremo votasse na quarta-feira ação da Associação Brasileira de Magistrados (AMB) que, se aprovada como previsto, poria fim à razão do CNJ.
Em resumo, a AMB pede que o conselho perca a atribuição de investigar e punir magistrados antes que sejam julgados pelas corregedorias dos respectivos tribunais onde estejam lotados.
Por analogia, tanto essa ação quanto a atitude de Peluso e mesmo o aval da maioria do CNJ à nota de repúdio do presidente do STF à declaração da juíza, remetem ao posicionamento majoritário do Legislativo contrário a punições a desvio de condutas de seus integrantes.
Poder-se-ia comparar também ao pensamento predominante no Executivo, segundo o qual uma limpeza em regra nos critérios para preenchimento de cargos na administração pública faria mal à saúde do governo de coalizão.
Ou seja, a norma não escrita que as excelências de todos os Poderes parecem dispostas a adotar é a da impunidade como pressuposto para que reine a paz na República.
As verdades ofendem, assim como a realidade enunciada pela corregedora ofendeu os brios do presidente do Supremo e as punições aplicadas nos últimos anos pelo CNJ calaram fundo no espírito do corpo da Associação dos Magistrados.
Pacto de coronéis. O senador petista Lindbergh Farias, combatente da luta dos royalties do petróleo para o Rio, acha que o debate perde a racionalidade e se transforma numa briga de salve-se quem puder entre Estados produtores e não produtores, que poderá extrapolar para outras questões.
Por exemplo, para a distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE), cujos critérios deverão ser definidos em lei complementar até o fim de 2012, conforme determinou o Supremo Tribunal Federal.
A única maneira de resolver, na opinião do senador, seria o governo tomar a frente e atuar como árbitro a fim de preservar o equilíbrio federativo. "Está faltando liderança, o governo está deixando as coisas correrem frouxas e isso poderá terminar numa grande confusão de Estados contra Estados."
Lindbergh é contra proposta que vem sendo ventilada com apoio de senadores de seu partido e do presidente do Senado, José Sarney, para que se apliquem à distribuição dos royalties os mesmos critérios adotados para os repasses do FPE.
"Quais critérios? Eles simplesmente não existem. O que está em vigor hoje é resultado de um acordo político feito em 1989 entre o então presidente Sarney e o Congresso, onde Antônio Carlos Magalhães exercia grande influência", diz ele.
De onde, segundo Lindbergh, resultou um acerto referido na "federação dos coronéis", pelo qual a Bahia é o Estado que recebe a maior alíquota (9,3%) e o Maranhão vem em segundo lugar (7,2%).
Como o Congresso até hoje não votou lei complementar instituindo parâmetros claros, no ano passado o STF deu prazo de dois anos para a aprovação da lei.
"Se o governo não assumir a liderança do processo, a confusão de agora em relação aos royalties vai se repetir".
Veto a Gisele. Mais bem defendidos estariam os direitos das mulheres se o governo se preocupasse com a defesa do direito de todos de ver ações efetivas no combate aos abusos cometidos contra o patrimônio público.

Equação incompleta - Míriam Leitão



O Globo - 30/09/2011
 

O Banco Central acha que mesmo numa situação em que os juros permaneçam em 12%, e o dólar fique em R$1,65, a inflação chegará ao final do ano em 6,4%. Ainda assim, diz que há 45% de risco de ultrapassar o teto da meta este ano, e só ao final do segundo trimestre de 2013 é que a inflação estará no centro de 4,5%. Apesar de tudo isso, os juros vão continuar caindo.
O Relatório de Inflação já nasceu velho. Apesar de ter sido divulgado ontem, ele foi datado em 9 de setembro e, portanto, não incorpora a mudança de trajetória e patamar do câmbio. O dólar está negociado a R$1,84 mas chegou a R$1,95 este mês. As contas do BC foram feitas para um câmbio de R$1,65.
Entre o último relatório e este, o BC aumentou a projeção de inflação, que estava em 5,8%, e reduziu a previsão de crescimento de 4% para 3,5%. No primeiro documento do ano, em março, estava em 4,5%.
Se a inflação subiu, e nem no final do ano que vem estará no centro da meta, por que foi mesmo que o BC baixou os juros? A resposta do relatório é que a situação internacional piorou muito e continuará se deteriorando, há riscos de recessão na Europa e nos Estados Unidos e isso poderá ter um impacto "deflacionista" nos preços internos. O BC diz isso, mas ele mesmo admite que a parte boa do cenário ruim - que é a queda de preços - pode não acontecer por dois motivos: impactos climáticos em algumas safras dos produtos agrícolas, e especulação no mercado de commodities, alimentada por novas rodadas de relaxamento monetário nos países em crise.
A conclusão que se tira do relatório, na opinião de Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, é que o documento do Banco Central é exato no diagnóstico, mas o texto não ajuda a entender a decisão tomada pela autoridade monetária:
- Os riscos inflacionários estão todos lá muito bem descritos. O impacto do clima nas commodities, o efeito da expansão monetária adicional, os aumentos salariais reais, a indexação, as expectativas e o salário mínimo. O diagnóstico está correto, mas ele se descolou da decisão tomada. Há hoje uma divergência nas projeções do mercado e do Banco Central.
O mercado aposta que os juros vão cair não porque acha que o cenário de queda da inflação vai acontecer, mas porque se convenceu que o BC aceitou mais inflação para manter algum crescimento. Isso quer dizer que certamente as projeções de inflação continuarão subindo nas próximas semanas. O Banco Itaú projeta quatro cortes na Selic de meio ponto percentual. É a mesma estimativa do banco HSBC. O Bradesco prevê três cortes de meio ponto, mas diz que a queda pode continuar caso o cenário internacional piore. O que ficou afastada em várias análises foi a idea de que o BC vai acelerar o ritmo de corte, por causa do termo "ajustes moderados", usado no trecho abaixo do RI:
"O Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, ajustes moderados no nível da taxa básica são consistentes com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012."
O BC acha que neste trimestre se encerra o ciclo de elevação da inflação acumulada em 12 meses. A taxa deve mesmo ceder um pouco a partir de outubro, depois de fechar setembro em 7,3%. Mas com a nova variável cambial é possível que a queda seja menor do que a esperada e ficou muito mais provável que o país estoure o teto da meta em 2011. E isso apesar de manobras como a redução da Cide, para evitar o aumento da gasolina, e do adiamento do imposto sobre cigarros.
A principal ausência no texto é uma análise mais profunda sobre os impactos da desvalorização do real na inflação. Depois de bater em R$1,95, o dólar recuou e ontem estava cotado em R$1,84. Ainda assim, sobe este mês 15%. A moeda americana subiu de elevador e está descendo de escada, em grande parte pelas medidas adotadas pela Fazenda de taxar as operações de câmbio no mercado de derivativos. A piora da crise derrubou os preços das commodities internacionais, mas a desvalorização do real foi mais intensa, e isso fez os produtos agrícolas ficarem mais caros no Brasil. Até mesmo economistas que apostavam numa queda mais brusca do dólar agora já acham que a moeda pode ficar estacionada no patamar de R$1,80 e assim bater na inflação.
"A realidade é que os preços que forem reajustados pela alta do dólar, após o recuo do seu preço não são reajustados para baixo, consolidando dessa forma a pressão sobre a inflação", disse Sidnei Nehme, da NGO corretora de câmbio.
O Banco Central tem razão em ver "nível de incerteza crescente muito acima do usual" no cenário internacional, mas não faz sentido que veja "riscos decrescentes" ou aumento dos "sinais favoráveis" para a inflação. É um "non sequitur". Se o risco é maior, e se apesar da queda do crescimento outras variáveis podem manter as commodities altas, como é que a conclusão é que a situação ficou mais favorável? Além disso, se o BC está cortando juros para impedir uma desaceleração da economia brasileira, como a demanda interna ficará mais fraca? O que fecha a equação incompleta do Banco Central é a declaração do presidente Alexandre Tombini de que ele está em perfeita sintonia com "colegas como o Guido". Sintonia entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central é desejável, desde que não seja com o BC flexibilizando o cumprimento do seu mandato, que é o de levar a inflação para o centro da meta. É isso que se espera que o BC faça no regime de metas.

Difícil acordo Merval Pereira



O Globo - 30/09/2011
 
A tese de Constituinte revisora lançada pelo PSD como bandeira principal do novo partido é um desdobramento de propostas semelhantes que já haviam sido discutidas e abandonadas, e tem como novidades a amplitude da sua atribuição - só ficariam de fora a divisão dos poderes, o modelo federativo, o voto secreto e as garantias individuais - e a proposta de que seus membros seriam eleitos por voto em lista fechada.
O centro de todas as propostas anteriores era uma Constituinte exclusiva composta de notáveis que poderiam ser eleitos para essa tarefa determinada, por período definido, e para tal não precisariam ter experiência política nem força eleitoral. Seriam lançados pelos partidos e escolhidos pelos eleitores por seus méritos reconhecidos.
A escolha por lista fechada radicaliza essa ideia, passando aos partidos a tarefa de escolher esses notáveis, como se essa providência garantisse a qualidade dos componentes da Constituinte.
Tanto a tese idealista de que os eleitores escolheriam apenas os melhores entre os melhores quanto a de que os partidos fariam essa escolha pelos eleitores não se sustentam em nenhuma experiência empírica.
Mesmo sem essa pureza de representação, no entanto, estou convencido de que certas reformas estruturais necessárias ao país só serão aprovadas em uma Constituinte convocada com essa função específica.
A Constituinte exclusiva para a reforma política não é uma ideia nova e já chegou a ser lançada tempos atrás pelo próprio PT, através do então presidente Lula, e com o apoio da OAB.
Sempre pareceu a muitos - a mim inclusive - ser uma saída para a efetivação de uma reforma que, de outra forma, jamais sairá de um Congresso em que o consenso é impossível para atender a todos os interesses instalados.
O deputado Miro Teixeira defende de há muito a tese de que a Constituinte poderia, além da reforma política, tratar de dois assuntos polêmicos: pacto federativo e reforma tributária.
A convocação de uma Constituinte restrita, ou um Congresso revisor restrito, para tratar da reforma política, segundo Miro daria oportunidade de tratar de forma mais aprofundada esses temas, com discussões estruturais que se interligariam, com a redistribuição das atribuições e verbas entre os entes federativos, temas que, aliás, estão na ordem do dia com a disputa pela distribuição dos royalties do petróleo.
O fato é que assuntos como o recall - quando um parlamentar eleito pode ser destituído pelos eleitores -, ou restrições à imunidade parlamentar ou reformas no sistema previdenciário só passariam numa Constituinte exclusiva e originária, já que o poder constituinte derivado, quando o Congresso se transforma em Constituinte, fica limitado pelo próprio interesse dos parlamentares.
Mas toda essa teoria fica ameaçada pelas experiências anteriores na América Latina, onde vários governos autoritários utilizaram o expediente da Constituinte para aumentar o poder do Executivo, como aconteceu na Venezuela de Chávez, na Bolívia de Evo Morales, no Equador de Correa.
Tem sido politicamente inviável tentar levar adiante a proposta devido ao uso distorcido das constituintes em países da região, que acabaram transformadas em instrumentos para aumentar o poder dos governantes de países como a Bolívia ou Equador, seguindo os passos da "revolução bolivariana" de Chávez.
A base teórica da manipulação dos referendos e do próprio instrumento da Constituinte para dar mais poderes aos presidentes da ocasião é o livro "Poder Constituinte - Ensaio sobre as alternativas da modernidade", do cientista social e filósofo italiano Antonio (Toni) Negri.
Essa influência foi admitida pelo próprio Chávez em um de seus programas radiofônicos ainda em 2006, quando ele anunciou que estava entre eles "um filósofo, escritor e ativista italiano, Toni Negri. (?) Por aqui temos seguido suas teses, Toni Negri: O poder constituinte".
O filósofo italiano diz que "o medo despertado pela multidão" faz com que o poder constituído queira impedir sua manifestação através da Constituinte: "A fera deve ser dominada, domesticada ou destruída, superada ou sublimada".
Antonio Negri considera que o "poder constituído" procura tolher o "poder constituinte", limitando-o no tempo e no espaço, enquanto o dilui através das "representações" dos poderes do Estado.
Em uma definição mais popular, Evo Morales diz que se trata de uma nova maneira de governar através do povo. Defendem, na prática, a "democracia direta", o fim das intermediações do Congresso, próprias dos sistemas democráticos.
A proposta do PSD, portanto, encontrará grande resistência por parte da maioria do Congresso, embora sua origem - um partido que não é de centro, nem de direita, nem de esquerda - seja menos suspeita do que quando a proposta vem do PT.
Não parece lógico que um partido fundado pelo prefeito paulistano Gilberto Kassab e cuja maioria saiu dos quadros do DEM esteja maquinando algum golpe autoritário contra a democracia.
Mas como a nova legenda já nasce como aliada do governo haverá dificuldade de costurar um acordo político que torne inviável qualquer tentativa de golpear as instituições democráticas através da Constituinte.
Será preciso haver um amplo pacto político que delimite os alcances das mudanças que vierem a ser feitas. Uma delicada negociação política que o governo Dilma tem condições de levar adiante pelo clima de distensão que vem imperando nas relações entre governo e oposição.
Mas como quem está por trás do projeto petista é o ex-presidente Lula, não creio que haverá clima político de confiança para um acordo desse tipo

Insensatez em marcha Rogério Furquim Werneck



O Globo - 30/09/2011
 

Há poucos meses era algo que apenas se entrevia. Agora, já não há mais espaço para dúvida. Está havendo uma guinada muito clara na política econômica do governo. Mudaram os objetivos, o discurso e o estilo da condução da política econômica. E, à medida que a percepção da mudança se dissemina, o próprio debate econômico vem tomando outra forma. Ideias equivocadas, que pareciam afastadas para sempre do cerne do debate econômico nacional, voltaram a ter livre curso na mídia, brandidas com deprimente convicção. Em certos círculos, há até um clima de comemoração, quase de euforia, com o que vem sendo saudado como o abandono definitivo da forma de conduzir a política econômica que prevaleceu no país nos últimos 18 anos.
É uma guinada que vem sendo ensaiada desde 2005 e que, em boa medida, teve início efetivo na segunda parte do último mandato do presidente Lula. A diferença é que, até há pouco tempo, o governo tentava dissimular as mudanças e evitar quebras muito ostensivas de regras do jogo ou movimentos excessivamente bruscos na condução da política econômica. Parece já não haver essa preocupação. Mais uma vez, como em 2008-09, a crise mundial está sendo usada como pretexto. A ideia é que, com as economias centrais engolfadas em dificuldades, o País precisa se precaver. E, nessas condições, vale tudo: passa a não existir pecado em nenhum dos dois lados do Equador.
A deterioração do ambiente externo, por mais preocupante que seja, não é justificativa para improvisação, casuismo e arbitrariedade. Muito pelo contrário. É exatamente quando o quadro fica mais adverso e as possibilidades se estreitam, que a manutenção de uma política econômica coerente, crível e previsível se torna mais necessária. Convencido de que havia alta probabilidade de que o país se defrontasse, até o fim do ano, com rápida deterioração do quadro econômico na Europa, o desafio que o Banco Central tinha pela frente era fazer a correção devida na política monetária, mantendo ancoradas as expectativas inflacionárias e preservando a credibilidade da política de metas para inflação. Isso teria exigido correção de rumo mais cuidadosa. Certamente mais suave do que a que, afinal, se viu.
O movimento brusco, ao arrepio de regras básicas de condução da política de metas, teve custo gigantesco em termos de perda de credibilidade e deixou as expectativas inflacionárias completamente desancoradas. O que se espera agora é que a inflação convirja para a meta apenas em 2013. Há pela frente, portanto, um período longo durante o qual reajustes de preços e salários estarão pautados por expectativas de inflação preocupantemente altas. O que deve dificultar ainda mais a lenta convergência da inflação à meta.
Tendo feito aposta tão pesada na deterioração do quadro econômico mundial, o Banco Central, coadjuvado pela Fazenda, se vê agora obrigado a reiterar a cada dia a extensão de sua preocupação com a situação externa. Em contraste com 2008, quando prometeu que tudo não passaria de simples marolinha, o governo se vê compelido a fazer alertas diários sobre a possibilidade de um maremoto. Sobrevenha ou não o quadro externo catastrófico, o certo é que o discurso catastrofista do governo vem tendo um efeito antecipado avassalador sobre decisões de investimento. O que talvez venha a ser visto como uma forma criativa, ainda que não intencional, de contenção da demanda agregada.
É curioso que, não obstante todo o propalado pessimismo do governo com a deterioração do quadro externo, a Fazenda e o Banco Central não conseguiram esconder sua surpresa com a rápida depreciação da taxa de câmbio observada nas últimas semanas. E até hoje recusam-se a reconhecer que esse movimento desestabilizador do câmbio pode ter sido, em boa parte, simples decorrência de efeito colateral da imposição de IOF sobre derivativos. A medida já não faz mais sentido, se é que chegou a fazer. Mas, tendo improvisado, o governo não quer dar o braço a torcer. O pior da improvisação é a ocultação dos seus custos.

Bandidos de toga Paulo Delgado


O Globo - 30/09/2011

Intimidar os críticos é o ardil dos criticados.
Quando a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, alertou para a impunidade dos juízes e criticou o corporativismo dos que querem restringir o poder de fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi direto ao alvo: "Acho que isto é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimo problema de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga." Imediatamente, a lógica da corporação se moveu irada e exigiu que ela apontasse os nomes. Nem se deram conta que quem reage pessoalmente ofendido a um comentário de caráter geral está, na verdade, vestindo a carapuça.
As corporações desprezam soberanamente a opinião da sociedade. Sua retórica da desinformação se põe em campo para intimidar quem as critica. Buscam manter uma interação desfocada da opinião pública para não chamar a atenção para a amarga situação do Judiciário, que às vezes deixa o cidadão mais pobre à espera, a vida inteira, de Justiça. O que importa é manter o espírito de corpo e proclamar a rotina da conivência entre os detentores da verdade. E garantir o princípio de que a sociedade, através do controle externo, não pode tocar na sacralidade dos juízes. É exatamente este véu de impunidade, mantido por um teatro de "investigação de conduta", que atrai os criminosos para a atividade. Nada disso é muito diferente da política, com este mesmo vício de "classe".
O crítico é sempre aquele que usa a língua fora do poder. Mas quando ela vem da boca de uma destemida juíza traz uma esperança. Sinaliza a possibilidade concreta de mudança e melhoria na gestão das instituições. Livra-se da emboscada do silêncio e eleva o tom contra o movimento corporativo, que quer "cortar as asas" e os poderes de investigação e julgamento contra juízes ineptos ou envolvidos em corrupção. Calmon não se sujeita. Exige respeito e endurece a crítica contra os transgressores e negociadores de sentença. É logo atacada por vozes "autorizadas" e posta diante do seu "erro": a ousadia de imputar culpa a colegas, de querer lavar a roupa suja ao sol da transparência e ousar desativar os mecanismos de desmoralização do Judiciário.
A corregedora, com descortino põe-se do lado certo, e escolhe com sua atitude ajudar a sociedade a se aperfeiçoar. Diz que a sedimentação cultural da corrupção e a "intimidade indecente entre a cadeia e os poderosos estão acontecendo em razão de um esgarçamento ético muito grande. A sociedade caminhou para este grande abismo. A linguagem moral e ética, (tornou-se) uma linguagem fraca. Chegamos a um estágio que ou partimos para uma posição de radicalizar uma providência contra a corrupção ou nós não vamos sobreviver como nação civilizada".
Na entrevista que deu à Associação Paulista de Jornais (APJ), a corregedora abre a caixa-preta de muitas carreiras de sucesso. E afirma saber que "não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar. Um habeas corpus, uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão. O ideal seria que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores. Os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém. Esse chegará ao topo do Judiciário".
Baiana de Salvador, a ministra Eliana Calmon não tem esperanças de poder investigar a Justiça de São Paulo, refratária à corregedoria nacional e onde estão 60% dos processos ajuizados no país: "Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro." A lucidez desenganada do humor traduz a sentença de Rui Barbosa, seu conterrâneo ilustre: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
PAULO DELGADO é sociólogo e foi deputado pelo PT de Minas Gerais. E-mail: contato@paulodelgado.com.br.

quinta-feira, setembro 29, 2011

O 28º elemento DORA KRAMER



O ESTADÃO - 29/09/11

Além do fato de agora não serem mais 27 e sim 28 as legendas que compõem o quadro partidário brasileiro, a entrada do PSD em cena não acrescenta grande coisa ao cenário.

Arigor,naquilo que é fundamental, não influi nem contribui. E o que é fundamental? A modernização do nosso sistema de representação,parado no tempo, arcaico, carcomido de vícios e deformações.

O partido surge já com presença significativa no Congresso (50 deputados federais), dois senadores,dois governadores e seis vices.

É possível que venha a desempenhar- se razoavelmente bem nas eleições municipais de 2012, visto que seus espertos e experientes arquitetos engendraram uma fórmula quase infalível de sucesso rápido: no plano nacional imprimem uma feição independente de viés governista e,no regional,apresentam- se como sublegenda de praticamente todos os governadores.

O PSD se compôs de tal forma que possa se apresentar como a segunda opção dos partidos já consolidados nos Estados.

Não dispõe de doutrina definida, como convém a quem não se propõe a construir, mas a acomodar interesses hoje insatisfeitos, e tem como marca de origem o senso de oportunidade: uma vez minguado o DEM, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, precisou encontrar uma maneira de garantir a continuidade de sua carreira até então engatada na trajetória ascendente de José Serra, tal como se configurava até a derrota em 2010.

Até aí, nada demais, interesse legítimo.

Do prefeito e de todos os outros que se dispuseram e se dispõem à empreitada.

A legitimidade do propósito, porém, não lhe confere o dom da representação de quaisquer transformações nem um lugar ao sol do novo .

O partido é,como diz o lugar-comum, mais do mesmo. Um discurso tímido, cauteloso mesmo, típico de quem não tem outra pretensão a não ser a de se inserir como mais um ator de peso no espetáculo em cartaz.

Mas, para que não se diga que o PSD não tem nada a propor, o partido propôs logo no dia seguinte à oficialização de seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral, a formação de uma Assembleia Constituinte revisora a ser eleita em 2014 sob o nome de Câmara Revisional exclusiva que trabalharia por dois anos.

A justificativa genericamente óbvia: considerando que a Constituição de 1988 já recebeu 73 emendas e se encontra em constante processo de revisão, que se eleja uma assembleia para fazer de uma vez todas as modificações necessárias preservadas as atuais cláusulas pétreas a fim de se chegar a um texto constitucional garantidor dos princípios gerais basilares que não cometa o equívoco de querer constitucionalizar a vida das pessoas .

O objetivo é nebuloso. Para que mesmo uma Constituinte neste momento? Não houve ruptura da ordem institucional nem alteração de regime como o que justificou a Constituinte na passagem do regime totalitário para a democracia, na década dos 80.

Qual o sentido de ter dois Congressos funcionando paralelamente por dois anos se não estamos dando conta de as segurar o funcionamento de um só dentro do parâmetro fundamental da República que é a independência dos Poderes? Sede boa-fé,o PSD fez uma proposta inócua, apenas para criar um fato de repercussão no ato de sua fundação.

Senão na posse de intenções transparentes, o PSD propõe a abertura de um caminho mais fácil para que os donos do poder façam alterações institucionais que lhes interessam e não conseguem fazer no Congresso por causada exigência do quór um de três quintos.

O PSD tem todo o direito de não se dispor à discussão de fundo sobre o que realmente anda mal,mas não pode esperar aplausos quando se presta ao patrocínio de atalhos erráticos.

Pedra na cruz. A corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, nada mais fez além de uma constatação quando falou nos bandidos que se escondem atrás da toga .

Assim como os há no Executivo,no Legislativo, na imprensa, nas Forças Armadas, nas igrejas, nas empresas, nas escolas, na vida, enfim, os há no Judiciário.

Seus críticos perdem excelente oportunidade de se aliar ao bom combate em prol da excelência da magistratura.

O roto e o rasgado CELSO MING


O ESTADÃO - 29/09/11

Buscar culpados em vez de soluções é prática milenar do ser humano. E é o que se repete agora com a sucessão de recriminações que tomam o noticiário sobre a crise mundial.

Autoridades tanto dos Estados Unidos como da área do euros e dedicam agora a um bate-boca aflitivo que se propõe a descarregar mutuamente sobre o outro lado a culpa pela falta de soluções para a crise.

Em meados de setembro, por exemplo, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, desembarcou na Polônia para um encontro sem precedentes com as autoridades da União Europeia. Lá, desfilou um rosário de queixas sobre a maneira como os líderes do bloco vinham conduzindo a busca de uma saída.

Condenou a adoção de políticas de austeridade, todas recessivas. Em vez delas, então, que os governos da área adotassem políticas de gastança pública- reclamou.No fim da semana passada, durante a assembleia do Fundo Monetário Internacional,em Washington, Geithner redobrou a dose de recriminações e cobrou urgência.

Segunda-feira,foi a vez de o presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, reclamar de que "a crise europeia está assustando o mundo". Ele também condenou a lentidão na adoção de políticas destinadas a superar a crise.

As autoridades do outro lado do Atlântico foram bem mais rápidas no gatilho quando se tratou de revidar ao tiroteio.

O primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, importante liderança da União Europeia, disparou: "Nem os desempregados gregos nem os trabalhadores irlandeses quebraram o Lehman Brothers". E acrescentou que as encrencas enfrentadas por Grécia,Irlandae Portugal não se devem à sua participação na zona do euro.

O ministro das Finanças da Alemanha, o durão Wolfgang Schäuble, revidou com outra advertência: "É sempre melhor dar conselhos do que tomar decisões".

E a vice-presidente da Espanha, Elena Salgado,lembrou naTVE(principal emissora do país) que o governo dos Estados Unidos não estava em condições de fazer cobranças assim, por ter fica do paralisado(pela facção republicana do Tea Party) quando da aprovação de propostas para aumentar o teto do endividamento e foi forçado a ceder diante da oposição.

As autoridades se recriminam mutuamente, como fica claro. Mas a cada César o que é de cada César. Os dois lados fizeram e seguem perpetrando lambanças.

As soluções não vêm porque a vontade política em colocá-las em marcha não consegue vencer as resistências.

Até agora, por exemplo, o governo dos Estados Unidos não deu um passo sequer para reduzir as dívidas hipotecárias do consumidor americano - principal razão da paralisia da economia. E, por enquanto,as autoridades da área do euro se mexem apenas para ganhar tempo, não para construir um atalho que tire os Estados quebrados da encalacrada em que estão metidos.

Pela lógica do processo, o problemão sobrará para os grandes bancos centrais.

Serão eles chamados a socorrer, com ilimitadas emissões de moeda, a rede bancária avariada pela sucessão de calotes soberanos que vêm aí. E já se sabe: também serão os bancos centrais os principais alvos dos ataques dos dois lados do Atlântico, se mais adiante a inflação mostrar a cara.

Inolvidable Ontem, o diário madrilenho El Pais noticiou o sucesso do ex-presidente Lula entre os grandes grupos econômicos locais: "Lula, a estrela convidada das empresas espanholas". Ele está sendo a atração, hoje, em Londres, patrocinada pelo Banco Santander, em comemoração ao Dia do Investidor. Em meados de outubro, será a vez da Endesa.

E, há alguns meses, aconteceu com a Telefónica e com o BBVA.

É o povão consumindo Também ontem, a presidente Dilma Rousseff creditou às façanhas do governo Lula o fortalecimento do mercado interno, que garantiu a melhor resistência da economia contra a crise global. É inegável que a administração Lula ajudou a fortalecer o mercado interno. Mas nunca é demais lembrar: foi a partir do Plano Real, que derrubou a inflação, que o poder aquisitivo do povão deixou de ser corroído.

A explicação esperada O Banco Central divulga hoje o Relatório Trimestral de Inflação. No foco: as explicações sobre a desinflação a ser provocada pela crise externa.

Crise lá fora não assusta ALBERTO TAMER


O ESTADÃO - 29/09/11

Não havia ontem sinais mais firmes de que a Eurozona está decidida a adotar medidas ousadas para superar a crise que já dura 20 meses.

Falava-se em um "novo plano", o que aliviou um pouco as tensões, mas apenas por algumas horas. Ninguém se dispõem a assumir prejuízos.

Nem os governos,nem o Banco Central Europeu e nem o FMI que, já disse, tem apenas US$ 384 bilhões de reservas, quase nada diante da necessidade de socorro estimado em mais de US$ 2 trilhões.

A impressão nesta semana era de que a crise externa pode piorar antes de ser superada.

É esse o cenário que não deve se alterar nos próximos meses ou mesmo em 2012. A Europa acordou e diz que vai agir para enfrentar a crise na Eurozona.Foi isso o que os ministros das Finanças sinalizaram ontem, após terem sido pressionados pelo FMI e pelo secretário de Tesouro dos EUA na semana passada.

Crise que se arrasta. As soluções já foram mais do que apontadas pelo FMI-capitalização e liquidez no sistema financeiro europeu - e continuam em promessas que se adiam.Hoje,os ministérios estarão reunidos, mas já se fala que as discussões finais ficariam para outro encontro,marcado para 13 e 14 de outubro e isso dependendo da aprovação ainda duvidosa dos respectivos parlamentos.

Ontem, parecia distante a emissão de euro bonds para assimilar a dívida dos países da Eurozona.

"Não há saída simples e tranquila para o problema da dívida da Eurozona. O debate se volta agora de quanto deve ser o aumento do fundo de reservas e o que estamos vendo é uma perspectiva mais positiva", afirmou ontem o estrategista-chefe do HSBC,Peter Sulivan,menos pessimista, mas cauteloso.

Brasil se antecipou. O Brasil já previa isso e se antecipou a um agravamento das tensões externas, que se acentuam com a inacreditável indecisão na Europa e a dificuldade do governo americano em implementar um plano de crescimento econômico. O presidente do Banco Central esteve na Comissão de Assuntos Econômicos, do Senado, e foi muito claro em sua exposição. A situação externa se deteriorou nos últimos dias, mas não surpreendeu porque os sinais de agravamento dos problemas da economia global eram evidentes.

As maiores economias,inclusive a da China, vão desacelerar mais este ano e não se espera que isso se altere nos primeiros meses do próximo ano.

Esse cenário já constava na última ata do Copom, o que levou o Copom a reduzir o juro básico no dia 31 de agosto. Pode-se dizer que foi uma espécie de" administração de expectativas", que está dando certo.Mas tem a inflação...

Equem tem medo dela?O Banco Central Europeu entrou em "crise existencial" quando os preços aumentaram 2,5%. Uma tragédia! Antes a estagnação atual e a recessão do que a inflação acima da meta de 2% fixada pelo banco.

O Brasil preferiu administrá-la.

Reconhece os riscos,mas decidiu que a prioridade é não crescermenosqueos0,8% do último trimestre, afastando o risco de recessão. Mesmo assim, o PIB brasileiro não para de recuar e o governo terá de fazer um grande esforço para que chegue a 3,7%.

O presidente do BC destinou uma boa parte da sua exposição aos senadores para dizer que a inflação não está fora de controle.

Há chance de que não supere a meta de 6,5% este ano, apesar de estarem7,3% em doze meses, já que deve recuar 1 ponto porcentual nos próximos meses.

O presidente do BC comentou os resultados dos últimos meses. De maio a setembro, o aumento médio dos preços medidos pelo IPCA do IBGE foi de 0,34%. É menor que a média de0, 77% no período de setembro de 2010 a abril de 2011. As pressões inflacionárias internas e externas são menores porque a economia brasileira está crescendo menos e o mundo vai continuar a desacelerar.

A inflação pode bater no tetode6,5% este ano,mas tende a recuar em 2012, mesmo não contando mais com o auxilio de um dólar desvalorizado.

Pode haver novos desafios, um aumento excessivo, mas pouco provável das commodities nesse cenário mundial recessivo.

Mas, para a equipe econômica e a maioria dos analistas, a inflação não fugiu do controle e não é, no momento, o maior risco.

E isso mesmo que passe do teto por alguns meses. Um IPCA de uns pontos porcentuais de 6,5% não é uma tragédia.

Tragédia é o que eles estão vivendo lá fora.

Petrobras no vale MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 29/09/11

Um ano após a capitalização, as ações da Petrobras ainda não decolaram. Pelo contrário, acumulam perda em dólares de 33% no período, enquanto o preço do petróleo do tipo brent subiu 39%. Os analistas culpam a interferência política na gestão da empresa. Por não poder mexer nos preços da gasolina, a companhia já deixou de arrecadar R$ 1,28 bilhão.

Com a inflação acima do teto da meta, o governo impede a alta do combustível. O consumidor acha que já está caro demais, e subiu mesmo por causa do álcool. A Petrobras não pode repassar para a gasolina o preço do petróleo, o custo da importação nem a alta do dólar, mas eleva os outros combustíveis. O consumo está aumentando com as vendas recordes de carros e o País está subsidiando combustível fóssil. Em 2010, a empresa importava 7 mil barris de gasolina por dia. Este ano, 30 mil.

Pelas contas do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), o prejuízo é de R$ 1,28 bi nos últimos 12 meses. Mas a tendência é que esse número fique maior com a desvalorização do real. A diferença entre o que a empresa paga para importar e o que pode cobrar das distribuidoras fica entre 15% e 20%.

Os analistas afirmam que o peso das decisões do Planalto sobre a gestão da companhia ficou mais evidente. Eles apostavam que, passado o período de incertezas, as ações recuperariam o valor. Isso não aconteceu.

"Influência política sempre existiu na Petrobras. Mas na capitalização isso ficou muito mais explícito. A companhia pagou caro à União pelo barril de petróleo do pré-sal", afirma Marcus Pereira, da Votorantim Corretora.

Os números ilustram essa percepção do mercado. No primeiro cenário, o preço do petróleo sobe, em dólares, as ações da Petrobras caem. O segundo cenário mostra que os papéis da empresa e da OGX do empresário Eike Batista estão entre os piores resultados do setor, no mundo.

"Os grandes investidores deixaram de olhar para o papel com bons olhos", diz Marcus Sequeira, analista do Deutsche Bank.

O ex-diretor da Petrobras Wagner Freire cita outros dois problemas: a mudança de regime de concessão para o de partilha, na exploração do pré-sal, e a obrigatoriedade de contratação de 65% de conteúdo nacional para a produção e exploração de petróleo. "O conteúdo nacional a 65% encarece preços e diminui a concorrência. Se a Petrobras não cumpre, acaba sendo multada. Fora isso, mexeram num modelo de exploração que vinha dando certo e agora a incerteza é muito grande. A exploração do pré-sal continua sendo muito complicada. A Petrobras ficou sobrecarregada", afirma Freire.

A parceria com a venezuelana PDVSA para a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, é outro projeto político. A petrolífera de Hugo Chávez ainda não deu garantias de que financiará 40% da obra e a Petrobras está sendo obrigada a tocar sozinha o projeto. O custo dessa refinaria é mais alto porque ela foi projetada com dois sistemas, um para o petróleo brasileiro, mais pesado, e outro para o petróleo venezuelano, mais leve.

Diante de um plano de investimentos que supera os US$ 200 bilhões nos próximos cinco anos e tendo que abrir mão de receitas por interferências do seu maior acionista, a União, os investidores acham que investir na Petrobras só é um bom negócio se a perspectiva de retorno for no longo prazo. A favor da companhia estão 16 bilhões de barris de petróleo em reservas comprovadas, montante que poderá triplicar com a exploração do pré-sal.

"A Petrobras tem uma boa perspectiva de retorno, mas num período muito longo, num prazo entre 5 e 10 anos. Para o pequeno investidor, a dica é esperar. Ainda não é o momento de comprar ações da empresa, há opções melhores", afirma Marco Antonio Ozeki, da corretora Coinvalores.

A guerra do óleo MERVAL PEREIRA


O Globo - 29/09/2011

A guerra da distribuição dos royalties do petróleo está chegando a um ponto de ruptura entre o governo federal e os estados produtores, principalmente o Rio de Janeiro, o que tem mais a perder. Ontem, o governo federal, em aliança com alguns senadores nordestinos, tentou votar o projeto, mas o PSDB atrasou entrega de relatório de uma medida provisória, e a pauta seguiu obstruída.

Mas a sensação é que da semana que vem não passa. Os estados produtores estão fazendo de tudo para mostrar aos demais que na verdade todos perderão com a proposta de divisão que está em votação, pois o novo regime de partilha fecha mais uma vez o ciclo histórico de centralização da tributação do petróleo nas mãos da União.

Os economistas José Roberto Afonso e Vivian Almeida fizeram um estudo com uma visão mais abrangente e histórica de como a tributação do petróleo e a divisão da correspondente receita entre níveis e entes federados contribuíram para moldar uma tendência marcante e secular da Federação brasileira: a oscilação no longo prazo entre maior concentração dos poderes e dos recursos e maior descentralização dos mesmos, como um pêndulo, que agora tende para a União.

Segundo o estudo, a história da tributação sobre combustíveis confunde-se com o histórico do processo de divisão federativa do país. Eles demonstram que, no debate recente, a justificativa para a partilha do pré-sal confunde-se com o processo de recentralização desencadeado após a Constituinte. Esse histórico de oscilar centralização com descentralização é característica do caso brasileiro, dizem vários autores que estudam o federalismo.

No pós-guerra criou-se um imposto sobre o petróleo, quando ele não tinha ainda peso na economia. Era imposto único, federal, mas com 60% da receita repartidos com estados e municípios. Os militares mantiveram o imposto, mas aumentaram a proporção do que ficaria na União. A descentralização, iniciada com governadores no regime militar, consolida-se na Constituinte de 1988, marco principal da inversão da lógica centralizadora dos militares.

Antes o imposto único era federal, e, pela Constituição nova, combustíveis e energia elétrica passam a ser base exclusiva de estados e municípios, sem que incida sobre eles imposto federal. O ICMS passou a incidir sobre combustíveis com a famosa regra de ser cobrado no destino, e os constituintes criam a figura dos royalties para compensar estados produtores.

Em 1993, no governo Itamar Franco, cria-se uma taxa federal sobre combustíveis com uma mudança sutil na legislação, permitindo que contribuições incidissem sobre petróleo e gasolina, e não impostos. Isso abriu a porta para que o governo federal voltasse a taxar o setor, criando a Cide sobre combustíveis, teoricamente para financiar obras em estradas federais. A Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) é cobrada da mesma forma que a Cofins e o PIS: um valor fixo por litro de combustível vendido. A destinação da receita, porém, é distinta: 1/4 da Cide é entregue aos estados e municípios (é a única contribuição que é compartilhada), enquanto 100% das contribuições sociais pertencem à União.

Na hora de reduzir tributo, a escolha é sempre em cima do compartilhado, como aconteceu com a redução da Cide de combustíveis para não aumentar o preço da gasolina. A virada total de mesa foi a mudança de regime da concessão para a partilha no pré-sal, em que o óleo passa a ser da União. O que no regime de concessão é lucro empresarial, na partilha vira receita de comercialização da União, uma receita pública.

O agravante, que completa a briga federativa, é que o óleo não gera lucro, e o governo não só não vai pagar participações especiais como também não pagará Imposto de Renda nem Contribuição Sobre o Lucro Líquido. E há dúvidas sobre se a venda desse óleo pela União vai pagar ICMS, Pis, Cofins, enfim, os impostos que incidem sobre a venda.

O novo sistema de partilha fecha o ciclo de reconcentração dos recursos nas mãos da União. O ganho não vai gerar receita para os Fundos de Participação dos Estados e Municípios, não gerando vinculação para a Educação e a Saúde, representando menos dinheiro carimbado para a seguridade social.

A União pode até decidir pôr um montante nessa área, mas não estará obrigada. A ironia é que os estados não produtores, que vivem dos Fundos dos Estados e Municípios, não prestam atenção para o fato de que, na mudança de regime, essa riqueza, pelo sistema tributário, vai deixar de ser repartida com estados e municípios, pois não gerará arrecadação de impostos.

Em vez de brigarem por isso, adotam o caminho mais fácil e rápido, que é tirar o que estados produtores já têm. Os governos ficam brigando entre si enquanto a União paira soberana. O Ministério da Fazenda fez uma opção preferencial pela Petrobras. Diante disso, estados produtores apresentaram a proposta de alterar as participações dos campos já licitados no regime de concessão, mudando o decreto que regulamenta a medida. Governo e petroleiras argumentam que isso seria quebra de contrato. A alternativa nova é criar um imposto sobre exportação, mas o governo alega que ele aumentaria o preço da gasolina, o que parece falácia, pois o imposto seria pela parte exportada, que não interfere no mercado interno. A Petrobras, é certo, teria uma despesa a mais, mas, com a alta do dólar, receberia mais em reais pela exportação.

O caminho da briga federativa é o pior possível, vai parar no Supremo. Mas o governo parece mais preocupado em preservar a Petrobras do que em não alimentar a guerra federativa.

À sombra de Jabotinsky DEMÉTRIO MAGNOLI


O ESTADÃO - 29/09/11


Perante a ONU, Mahmoud Abbas disse que o reconhecimento do Estado Palestino equivaleria a fazer mais uma "Primavera Árabe". A verdade é exatamente o inverso: a iniciativa tem o propósito de evitar uma "Primavera Árabe", desviando a frustração popular nos territórios ocupados para a esfera da diplomacia internacional. Contudo, como tantas outras coisas, o plano pode ter consequências indesejadas, deflagrando precisamente a revolta que almeja impedir.

Na sua resposta, Benjamin Netanyahu lançou sobre Abbas a responsabilidade pelo fracasso das negociações de paz, invocando seu pretexto predileto: os palestinos recusam-se a reconhecer Israel como "Estado judeu". A verdade é que a OLP reconhece oficialmente Israel desde os Acordos de Oslo, de 1993, e o pedido palestino encaminhado à ONU representa tanto o reconhecimento das fronteiras anteriores a 1967 quanto uma renúncia definitiva aos territórios palestinos perdidos na guerra de 1948. Entretanto, nenhuma liderança palestina pode cumprir o requisito maximalista de Netanyahu, pois um quinto dos cidadãos israelenses não são judeus, mas palestinos.

Não se reconhece o Irã como "Estado islâmico" ou Cuba como "Estado socialista", mas apenas como Estados soberanos. Quando se firmaram os Acordos de Oslo, ninguém exigiu da OLP o que agora reclama o chefe de governo de Israel. Definir a natureza de Israel não compete aos palestinos, mas unicamente aos próprios israelenses, que sempre estiveram divididos acerca do complexo tema, com repercussões variadas sobre os direitos da minoria árabe e, também, sobre os privilégios legais dos judeus ortodoxos. Correntes radicais em Israel, com assento no Gabinete de governo, já propuseram cassar os direitos políticos da minoria não judaica. Ao demandar o reconhecimento de Israel como "Estado judeu", Netanyahu exige algo duplamente impossível: que a OLP coloque um selo de legitimidade sobre a expulsão dos palestinos de suas terras na guerra de 1948 e que admita a hipótese de supressão da cidadania da minoria árabe-israelense. O primeiro-ministro sabe disso - e exatamente por saber insiste na exigência.

O sionismo atravessou três etapas distintas tentando responder à espinhosa questão da soberania sobre a Terra Santa. No início, elegeu o caminho de negar a presença física e a existência política de árabes palestinos na Palestina. A negação expressava-se no lema da "terra sem povo para um povo sem terra" e na figuração dos habitantes daquelas terras como nômades do deserto. Na etapa seguinte, que coincide com a guerra de 1967, a presença física palestina já não era passível de negação, mas se rejeitava a existência nacional dos palestinos. A Jordânia, dizia a líder israelense Golda Meir, era o Estado Palestino. Uma etapa final, marcada pela ocupação dos territórios palestinos e pela intifada, propiciou um choque de realidade. "Há dois povos e duas bandeiras na Terra Santa", declarou Shimon Peres na hora dos Acordos de Oslo.

O impasse atual decorre da escolha do governo de Netanyahu de passar uma borracha sobre o aprendizado de seus predecessores. O primeiro-ministro é um herdeiro da tradição sionista, mas a sua maioria parlamentar se ergue sobre um componente estranho a essa tradição: o Yisrael Beitenu, do ministro do Exterior, Avigdor Lieberman. Baseado nos imigrantes recentes oriundos da antiga URSS, o partido não reflete a experiência histórica israelense, mas uma cisão do sionismo anterior à fundação do Estado judeu. Sua fonte doutrinária se encontra no pensamento de Zev Jabotinsky, que, há 90 anos, imaginou Israel como uma federação judaico-árabe dirigida pelos judeus no conjunto indivisível da Terra Santa. A visão de Jabotinsky, uma relíquia resgatada das águas do passado, norteia a política oficial do Estado de Israel.

Uma crise devastadora atravessa o sionismo. A coalizão governista, formada pela aliança do Likud com o Partido Trabalhista, subordina-se voluntariamente à orientação anacrônica de Lieberman, que torna inviável a solução da paz pela divisão da Terra Santa em dois Estados. Há pouco, o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert pediu a reabertura urgente das negociações com Abbas e alertou sobre as consequências desastrosas da política oficial: "Os futuros líderes palestinos podem abandonar a ideia de dois Estados e buscar uma solução de Estado único, tornando impossível a reconciliação".

Não foi o respeito aos direitos dos palestinos, mas as realidades da geopolítica e da demografia que conduziram o sionismo à "ideia de dois Estados". Hoje, no conjunto Israel-Palestina, a população árabe-palestina supera a judaica. O Estado de Israel só pode conservar a ocupação dos territórios palestinos mediante a supressão permanente dos direitos políticos da maioria da população da região - ou seja, por meio de um regime de apartheid incompatível com os princípios admitidos pela comunidade internacional. Olmert está dizendo que a solução dos dois Estados é a única capaz de preservar Israel como Estado judeu e democrático. E, ainda, que Netanyahu representa uma ameaça concreta ao ideal sionista sobre o qual Israel se constituiu.

Jabotinsky não almejava um Estado judeu, mas um Estado único dirigido pelos judeus. A OLP acalentou por algum tempo o sonho de um Estado único dirigido pelos palestinos, mas acabou aceitando a "ideia de dois Estados". Uma ideia, contudo, não perdura eternamente. Sob o impacto combinado da desmoralização do processo de paz, das revoluções populares árabes e do isolamento regional de Israel, os palestinos podem desistir da miragem de um Estado nacional nas fronteiras anteriores a 1967. Nessa hipótese, eles seguiriam o exemplo dos negros sul-africanos e passariam a exigir direitos iguais de cidadania para todos os habitantes do conjunto Israel-Palestina. Acomodado à sombra de Jabotinsky, Netanyahu empurra-os rumo à opção do Estado único.

quarta-feira, setembro 28, 2011

Prioridades MERVAL PEREIRA



O GLOBO - 28/09/11

Enquanto o debate sobre a necessidade ou não da criação de um novo imposto para financiar o sistema de Saúde do país vai se desenrolando, vai ficando cada vez mais evidente que se está discutindo uma questão de escolha, de prioridades. Os dados mostram que o governo, de uns anos para cá, reduziu o que gastava com a Saúde e aumentou a verba para os programas assistencialistas.
Ora, o governo define suas prioridades no Orçamento da União que envia para o Congresso todos os anos, e se for aprovada a decisão de gastar 10% na Saúde, como define o texto original da Emenda 29, terá que redistribuir as verbas.
A presidente Dilma não gostou da declaração da ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais - que é quem, em última análise, terá que negociar com os partidos a eventual criação do novo imposto -, dando como certa a sua criação.
Embora a declaração reflita o que o governo pensa, os articuladores palacianos acham que a ministra não deveria ter sido tão explícita com tanta antecedência, pois provocará reações.
O próprio presidente da Câmara, deputado petista Marco Maia, já declarou que não vê nenhuma chance de ser aprovado um novo imposto este ano e muito menos no ano que vem, quando serão realizadas as eleições municipais.
A tese dos governistas a favor de mais um imposto é que a Saúde surgirá como a prioridade dos eleitores, o que facilitaria a aprovação no Congresso.
Mas nada indica que quando o povo diz que a Saúde merece mais atenção do governo, esteja dando um aval ao aumento de impostos. Está apenas dizendo que o governo tem que rever suas prioridades.
Ao contrário, o que deve acontecer é um estranhamento da sociedade sobre as prioridades do governo.
Se a Saúde é o problema número um do país, por que se gasta mais em outros setores?
O interessante é que a proposta de fixar um percentual mínimo para a União, que agora a oposição e setores governistas independentes querem ressuscitar no Senado, é de autoria do ex-senador Tião Viana (PT), atual governador do Acre.
Nos últimos 10 anos, de acordo com reportagem do jornal "Folha de S. Paulo", o governo alterou suas prioridades, aumentando as verbas para os programas assistencialistas de distribuição de rendas, turbinadas por reajustes do salário mínimo e programas como o Bolsa Família, e reduzindo as verbas destinadas à Saúde.
Seguindo a mesma linha já anunciada pelo empresário Jorge Gerdau, responsável pelo programa de melhoria da gestão pública do governo Dilma, que acha que antes de pensar em novos impostos deve-se pensar em melhorar a eficiência da máquina pública, o projeto Brasil Eficiente, do Instituto Atlântico, tendo à frente o economista Paulo Rabello de Castro, está fazendo uma campanha pela regulamentação de partes da Lei de Responsabilidade Fiscal que ainda não estão em vigor.
A principal medida que não está em vigor por falta de regulamentação é a criação de um Conselho de Gestão Fiscal, que seria um instrumento que facilitaria muito o trabalho de Gerdau de reduzir o desperdício nos órgãos públicos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, um instrumento fundamental para o equilíbrio das contas públicas, determina, por exemplo, que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) tenha metas de receita, despesa, resultado primário e resultado nominal.
O próprio Ministério da Fazenda tem um manual que orienta estados e municípios a cumprirem a LRF, e nele manda que coloquem em seus orçamentos metas de resultado nominal.
Apesar disso, nunca um governo obedeceu a essa regra, embora não ter meta nominal seja contra a lei. Nunca nenhum governo fixou essa meta desde a aprovação da LRF, aí incluídos os governos tucanos, e tanto o Congresso quanto o TCU nunca questionaram essa falha.
No passado, a LDO já teve metas de travar o gasto corrente, impedindo que ele subisse, uma medida semelhante à proposta que Antonio Palocci fez, quando era ministro da Fazenda de Lula, de não subir os gastos acima do crescimento do PIB. Ou de não subir os gastos além dos investimentos governamentais, como chegou a ser proposto e vetado pelo governo.
Na prática, essa meta não foi cumprida e, como não havia punição, não aconteceu nada.
Outra previsão da LRF, por exemplo, é o limite para a dívida federal, mas o Congresso e o Senado sequer iniciaram a votação.
O que falta é completar a implantação da lei, aprofundar a cultura, e não aumentar impostos sempre que um setor da vida do país entre em colapso.
O novo imposto da Saúde, de acordo com os cálculos governamentais, recolheria pouco mais de R$45 bilhões ao ano, mas na última vez em que cobraram o CPMF, foram recolhidos 36 bilhões. O que quer dizer que o governo está querendo não apenas criar um novo imposto, mas aumentar a mordida no bolso do contribuinte.

Drogas: o labirinto LYA LUFT


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Custo da crise MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 28/09/11

O Banco Central pode dizer, como fez ontem o presidente Alexandre Tombini, que previu o agravamento da crise internacional. Mas ele ainda não pode garantir que isso vai provocar "pressão deflacionista" na economia brasileira. Na apresentação feita por Tombini no Senado um número chamou a atenção: a destruição de riqueza foi de quase US$10 trilhões no mundo.

Esse é o tamanho da desvalorização das ações listadas em bolsa nos últimos quatro meses. É mais do que dois terços do PIB americano.

Em qualquer medida é muito maior a perda que houve desde que a crise começou, em 2008. O PIB dos Estados Unidos saiu de um crescimento médio de 2,6% entre 2000 e 2007 para uma média de -0,3% no período 2008-2010; a Zona do Euro foi de 2,2% para -0,7%. Os emergentes perderam, mas bem menos: de 6,6% para 5,4%. O Brasil, apesar de emergente, ficou com crescimento menor do que o do seu grupo.

Impressionante é o custo social desta crise, que levou o desemprego de menos de 5% nos Estados Unidos para 11% e aos atuais 9%. Na Zona do Euro, o desemprego é hoje de 10%.

A crise elevou o endividamento de todos os países que Tombini definiu como "de economias maduras" e que alguns definem como "economias avançadas". Hoje essa classificação fica estranha. Na Zona do Euro há países como Grécia, Portugal, Eslovênia, Eslováquia, que não são exatamente maduras ou avançadas. Mas na falta de melhor nome, fica este. O mais importante é que na apresentação de Tombini ele explicou que a dívida desses países continuará crescendo, com raras exceções, nos próximos anos. Isso pelo efeito do déficit que os governos acumularam. Essas economias estão prisioneiras de um círculo vicioso porque a alta da dívida aumenta o risco soberano, isso reduz o valor dos títulos emitidos pelos governos, e a baixa perspectiva de crescimento econômico eleva a relação dívida/PIB.

Essa percepção de risco elevada não afetou apenas as economias menores da Europa. A falta de uma solução rápida para a crise está fazendo com que piore até a avaliação sobre as duas maiores economias da região, principalmente da França, que se descolou da Alemanha, como se pode ver no gráfico abaixo.

Como os bancos da Europa são os que carregam os títulos dos países da região, a percepção de risco dos bancos também subiu fortemente, principalmente dos italianos. Resultado: mais um círculo vicioso.

Com a desconfiança em alta, os empresários investem menos, os consumidores consomem menos. Nada disso é novo, tudo vem acontecendo desde 2008. O que Tombini pôde dizer é que o agravamento recente da crise não o pegou de surpresa, porque a ata da última reunião veio repleta de alertas.

O que continua destoando é sua conclusão sobre a economia brasileira. Ele garante que tudo isso levará a inflação a cair, ficar dentro do intervalo de flutuação no fim do ano e convergir para o centro da meta no ano que vem.

Não há qualquer garantia disso. E o problema é que o Banco Central tem como principal tarefa no regime de metas de inflação garantir que as taxas ficam na meta.

Ele está apostando que a inflação cairá um pouco a cada mês até maio do ano que vem. Hoje, ela está em 7,3%. Cairia dois pontos percentuais nesse período.

Não considera que a alta do dólar - ainda que tenha parado - anulou o efeito da queda das commodities. Que alguns alimentos não cairão por problemas de safra. Que o salário mínimo elevará custos de serviços e demanda.

De fato, o acumulado em 12 meses tem chance de cair a partir de outubro. Mas quanto ao ano que vem não há ainda qualquer garantia de que a queda continuará e será dessa dimensão.

Tombini garantiu aos senadores que apesar de toda a confusão do mundo está tudo dominado: hoje o BC tem R$186 bilhões a mais de compulsório do que em 2008, tem US$147 bilhões de reservas a mais, e tomou medidas que impediram o superendividamento das empresas. Disse que o BC tomou medidas que moderaram o ritmo de crescimento do PIB de 7,8% em 12 meses, em janeiro, para 4,4%. Tudo isso para explicar por que derrubou - e pelo visto continuará derrubando - os juros mesmo com a inflação acima do teto da meta.

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