Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 31, 2009

A saia-justa de Lula em Belém

O ESTADO DE S PAULO EDITORIAL,

O presidente Lula foi a Belém fazer média com os ativistas do Fórum Social Mundial, caprichando na retórica bolivariana para se mostrar rigorosamente alinhado com as estrelas do convescote: os presidentes Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e, ainda, Fernando Lugo - seus adversários naturais por diferentes motivos - geopolíticos, econômicos e ideológicos.

Como sempre acontece nessas situações, a quadratura do círculo não deu certo. O contorcionismo oratório do presidente para se compor com o ideário da brava gente alternativa há de ter soado artificial aos seus próprios ouvidos. Pela simples razão de que Lula, como já se cansou de ressalvar, não é de esquerda nem considera o regime de mercado uma criação luciferina, muito menos imagina que o Brasil pode subir aos palcos globais fazendo coro com a Venezuela, Bolívia e Equador. O Paraguai é um caso à parte.

É genuína - e procedente - a sua indignação com o preço ainda imprevisível que o Brasil terá de pagar pela farra homérica de um sistema financeiro que se comportou como os proverbiais dementes que tomam conta do hospício. "Nós que fizemos sacrifícios para salvar nossos países estamos vendo que as conquistas na América Latina estão ameaçadas", disse ele em seu discurso no seminário A América Latina e o Desafio da Crise Financeira Internacional, da noite da quinta-feira. O resto do discurso foi uma tentativa de varrer para debaixo do tapete as diferenças inconciliáveis entre a sua visão dos fatos e a dos dirigentes cuja ascensão ao poder representa, segundo ele, "uma nova correlação de forças no Continente".

É uma saia-justa. De um lado, Lula precisa de tantos apoios quantos conseguir reunir para carregar nos foros mundiais a bandeira da formação de uma "nova ordem econômica". Por intermédio do G-20 - produto genuíno da velha ordem -, sustenta, os países emergentes devem forçar a discussão do controle do mercado financeiro para que a economia real não seja atingida pelos descalabros da economia de papel. De outro lado, Lula sabe que a sua importância como interlocutor dos poderosos da Terra deriva não apenas do peso específico do País que governa, mas também, em ampla medida, do fato de ele se distinguir nitidamente dos colegas da vizinhança. Eles são vistos como são: ou populistas estabanados desprovidos de seriedade ou simplesmente figuras inexpressivas. Enquanto o presidente metalúrgico impôs-se ao respeito internacional. Deve ter-lhe custado muito esforço a escolha de uma maneira de agradar ao Fórum Social, mais uma vez reunido no Brasil, sem fazer o saludo a la bandera, exibindo afinidades postiças com os bolivarianos.

A que escolheu, com duvidoso sucesso, foi dizer as coisas que eles esperavam ouvir embora não acreditando minimamente nelas. É o que deu o tom de sua retrospectiva da atitude dos países ricos e do execrado Fundo Monetário Internacional (FMI) na última década e meia. "Eles tinham a solução para todos os nossos problemas e diziam o que tínhamos de fazer", lembrou. "Diziam que tínhamos de fazer ajuste fiscal, cortar gasto, fazer choques de gestão e mandar trabalhadores embora (sic). Parecia que eram infalíveis, e nós, incompetentes." "Mas, Deus escreve certo por linhas tortas, porque o ''deus mercado'' quebrou." O que ele não disse, nem obviamente poderia, é que, por ter feito o que diziam que "tínhamos de fazer", o Brasil reuniu as condições para - já sob o seu governo - tirar proveito do período sem precedentes de expansão da economia mundial, movida, aliás, por uma fartura extravagante de crédito.

Dito de outro modo, não tivesse o Brasil feito os "sacrifícios" a que se referiu na fala em Belém, Lula não teria em que apoiar o seu bordão do "nunca antes na história deste país" - e não se fará a ele a enorme injustiça de acusá-lo de não saber disso. No entanto, quem quer que se pusesse na sua pele sentiria de imediato o dilema que tentou resolver se apegando à fórmula segura de falar mal do Consenso de Washington, do FMI e dos demais suspeitos de sempre, omitindo o efeito virtuoso para a economia brasileira do modelo hoje em crise - por motivos que, não lhe sendo inerentes, não o desqualificam. Malabarismo inútil, afinal. Sintomaticamente, Lula foi o único dos presidentes que compareceram ao Fórum que o MST não convidou para o seu evento sobre a "integração popular" da América Latina. É que João Pedro Stédile conhece muito bem a ideologia de Lula: ela é lulista.

Estragos de um presidente ignorante Mauro Chaves

O ESTADO DE S PAULO
As consequências de um presidente ignorante exercer o supremo comando de uma nação por dois mandatos consecutivos - ou pelo longo período de oito anos - são, realmente, catastróficas. Entenda-se, porém, que nem sempre o volume dessa "herança de desinformação social" - forma como poderíamos designar o acervo geral de desentendimentos governamentais - é corretamente avaliado, seja quanto a sua intensidade ou durabilidade. Ou seja, nem sempre os efeitos dos atos ou omissões de um chefe de Estado e governo ignorante são perceptíveis de imediato - mas podem se estender por gerações. Às vezes só se vai descobrir depois a total falta de noção, de um governante, de como é o mundo e como agem ou interagem suas forças. E quando se descobre isso o tremendo estrago já pode ter sido feito - e custa uma enormidade consertá-lo. Pior é quando essa incompreensão de um chefe de Estado e governo leva a ações desastradas, no relacionamento com outros países, a ponto de causar um grave comprometimento da imagem externa do país, desfazendo um capital acumulado de valores - morais e institucionais.

É que a falta de conhecimento básico, geralmente acoplada a crenças rudimentares, faz com que governantes se tornem verdadeiras esponjas, prontas a absorver, indiscriminadamente, os pleitos dos lobbies de todos os gêneros. Então as decisões ou não-decisões governamentais derivam de pressões descontroladas de grupos de interesse de múltipla espécie, dada a inexistência de um filtro intelectual, provido da necessária massa crítica, que possa selecionar o que, de fato, seja a favor ou contra o verdadeiro interesse da coletividade. A bem da verdade, nada melhor para os defensores de determinados interesses - sejam legítimos ou escusos, representem vantagens pecuniárias ou apenas reproduzam preconceitos ideológicos - do que o vazio intelectual daquele que ocupa o mais elevado posto decisório de uma nação. Pois é, justamente, a vacuidade mental de conhecimento e cultura que dá ensejo à atração de ideias discutíveis ou inviáveis para a sociedade - embora palatáveis, quando não rentáveis, para determinados grupos.

No chefe de Estado e governo ignorante processa-se um tipo de "absorção aleatória" de influências, pelo que passa ele a conduzir-se - e, mais importante, decidir - com base no que lhe é "soprado ao ouvido". Às informações que lhe chegam à parte decisória do cérebro, tanto de forma desorganizada e espontânea quanto minuciosamente calculada, por parte de seus interlocutores - movidos estes por claros objetivos -, o governante desprovido de aparato gnoseológico pode reagir de uma forma ou de outra, conforme as circunstâncias, o momento psicológico em que esteja, o clima afetivo que viva, tudo isso apartado de uma análise racional que só o discernimento com base no real conhecimento é capaz de realizar. Em outros termos, o estado de vacuidade de informações - de um presidente ignorante - em relação à configuração do mundo e às características dos povos, ao acervo científico-tecnológico, cultural e tudo o mais que indique o estágio atingido pelo nível do conhecimento humano lhe cria receptáculos mentais escancarados, sem qualquer filtro seletivo, às influências de terceiros - que não dizem respeito aos interesses reais da sociedade. Antes pelo contrário.

A memória histórica aponta o anseio que sempre tiveram as sociedades de escolher, para a condução da coisa pública, os melhores e mais capazes de fazê-lo. A ruptura do processo hereditário, pela via das ideias republicanas, vai, justamente, nesse sentido, pelo menos desde que Platão, em seu A República - escrito entre 380 e 370 a.C. -, propôs o governo dos mais sábios e instruídos, pois estes, ao mesmo tempo que seriam menos "apressados em chegar ao poder", teriam melhores condições de distinguir o visível do inteligível, a imagem da realidade, o falso do verdadeiro. Assim, estes é que deveriam ser chamados para a regência suprema da sociedade, pois sua presença impediria as sedições e as intermináveis lutas civis internas travadas entre políticos ambiciosos.

A democracia moderna, cujo melhor modelo - goste-se ou não - ainda é o da sociedade que há 222 anos elaborou uma Constituição e chegou ao 44º presidente da República sem qualquer golpe de Estado, regime de exceção, sistema autoritário ou interrupção do processo democrático - mesmo tendo passado por uma guerra civil violenta -, sem dúvida, teve como esteio pessoas altissimamente qualificadas, como George Washington, Thomas Jefferson, James Madison, Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt, John Kennedy e tantos mais.

É na escolha dos mais capazes para governá-las, quaisquer que tenham sido suas origens, mas que tenham revelado um esforço denodado pelo próprio aprendizado, que as sociedades se alicerçam, no decorrer de sua história, na valorização do mérito de todos e de cada um de seus cidadãos. É na eleição democrática daqueles que atingiram, além do talento da liderança, um nível de conhecimento pelo menos bem acima do da média da população que as sociedades adquirem condições de evoluir, politicamente, na direção de uma democracia plenamente desenvolvida. É por tudo isso, enfim, que, em razão da múltipla e profunda ignorância de seu presidente anterior, a exemplar democracia norte-americana vai ter de se esforçar muito, juntamente com seu novo presidente, para recuperar-se do tremendo estrago feito em sua imagem no mundo.

Bolsas & famílias Míriam Leitão

O GLOBO

Quando o governo ampliou o Bolsa Família, entendeu-se como gastança federal. Quando o BNDES comprou ações da Aracruz e da Votorantim, entendeu-se como medida contra a crise. Com a primeira decisão, o governo vai gastar meio bilhão de reais e beneficiar 1,3 milhão de famílias pobres; com a segunda, está gastando dois bilhões e meio de reais para beneficiar quatro famílias ricas.

No primeiro caso, o governo está incluindo no programa quem tem renda familiar de R$137 per capita por mês. No segundo caso, é impossível calcular a renda familiar dos beneficiados. O grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, e a Aracruz, das famílias Lorentzen, Almeida Braga, Moreira Salles e Safra, fizeram maus negócios na aposta no mercado futuro de câmbio. Perderam muito dinheiro.

O BNDES financiou a compra da Aracruz pela Votorantim e ele mesmo comprou um bloco de ações, pagando acima da cotação de mercado. No dia seguinte, o valor das ações caiu mais e os avaliadores de risco deram às ações perspectiva negativa. Sinal de que era um mau negócio e que a junção das duas empresas havia criado outra muito endividada, à qual o BNDES se juntou como um dos donos.

Os grupos em questão têm muitos ativos que podem vender, e, com isso, sair da encalacrada em que entraram. Tanto é que a Votorantim, ontem mesmo, vendeu para o grupo Camargo Corrêa, por R$2,6 bilhões, a participação que tinha na CPFL, num negócio que será quitado por capital próprio e captação da Camargo junto ao mercado privado. Outros negócios ocorrerão neste momento de crise.
A Votorantim saiu da CPFL porque não quer focar em energia; a Camargo comprou porque quer focar em energia. Se o BNDES for menos paternalista, se o governo parar de usar o Banco do Brasil e a Caixa para ajudar empresas, o mundo empresarial fará sozinho boas reestruturações de negócios neste momento de crise. O BNDES entrou na Votorantim-Aracruz porque temia que a Aracruz fosse comprada por uma empresa estrangeira. Qual o problema se fosse?

No Brasil há quem se escandalize cada vez que aumenta o gasto com os pobres, e não faz conta alguma do que o Estado gasta com subsídios aos ricos. Os empréstimos do BNDES são com taxas de juros mais baixas do que as pagas pelo Tesouro para se financiar. Há um gasto do Tesouro implícito.

O Bolsa Família não é entendido nem por quem o faz. Tem sido temido pela oposição, que vê nele a razão da popularidade do presidente Lula. Tem sido defendido pelos petistas, pela mesma crença. É criticado por quem acha que esse dinheiro está sendo subtraído da educação. É atacado por falsos fiscalistas, que não veem os grossos volumes de dinheiro que saem pelos muitos ralos que subsidiam os ricos no Brasil. É desmoralizado por quem, no governo, acha que a exigência de contrapartida e a fiscalização podem ser negligenciadas.
Foi criticado pelo ministro Mangabeira Unger, com argumentos espantosos, preconceituosos e elitistas. Falando dias atrás ao repórter Bernardo Mello Franco, deste jornal, ele revelou que pensa que os pobres preferem ser pobres, teriam a cultura do "pobrismo" e que o programa deveria se concentrar nos "batalhadores", aqueles que estão às portas da classe média: "O ponto nevrálgico é escolher corretamente o alvo.
Muitas vezes tenta-se abordar o núcleo duro da pobreza com programas capacitadores, e aí não funciona. Populações mais miseráveis são cercadas por um conjunto de inibições, até de ordem cultural, que dificulta o êxito desses programas", disse o ministro, que depois tentou dizer que foi mal interpretado.

Na visão do nosso ministro do sei-lá-o-quê, como o define Elio Gaspari, o governo deveria direcionar os recursos do Bolsa Família aos quase-classe média, os "pobres viáveis". Faltou completar o raciocínio e dizer o que deve ser feito com os pobres e miseráveis brasileiros.

Os pobres deveriam ter preferência no dinheiro público. Nunca tiveram, nem mesmo agora. Uma rede de proteção social é ação civilizatória. Mas os avanços dos estudos das políticas sociais já provaram que melhor é construí-la não como um fim em si, mas como um meio de pavimentar o caminho para a mobilidade social através da educação.

Não há conflito entre recursos para o Bolsa Família e recursos para a educação. Recentemente, conversei com uma professora de alfabetização do ensino público do Espírito Santo. Ela dá aulas na parte mais pobre de Vitória, e lá 70% das crianças estão no Bolsa Família. O programa tem foco.

O erro do lulismo é que mesmo com o mérito de ter ampliado o antigo Bolsa Escola para o Bolsa Família, no fundo, vê o programa como arma eleitoreira. A maneira correta de fazer essa transferência do dinheiro dos impostos aos mais pobres seria a mais impessoal possível, não como um favor paternalista de uma espécie de "pai dos pobres", mas como direito do cidadão.

Milhões desses pobres jamais serão absorvidos no mercado de trabalho. Não por culpa deles, ministro Mangabeira, mas pelos erros do país que os relegou ao analfabetismo e à privação crônica. Os filhos deles, no entanto, têm muita chance. Se persistirmos.

Repúdio ao protecionismo Celso Ming

O ESTADO DE S. PAULO

Na quarta-feira, o diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca, comemorava decisão do Ministério do Desenvolvimento de exigir licenciamento prévio às importações e, dessa forma, instituir barreiras comerciais não tarifárias, proibidas por tratados internacionais.

Alguns minutos depois desse festejo público, o presidente Lula mandou revogar a decisão porque "não quero o Brasil identificado com protecionismo".

Também na quarta-feira, esta coluna (Protecionismo é o deles) criticou os dirigentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Fiesp, não só pelo jogo protecionista que querem fazer, mas também pela duplicidade de posição e atitudes em relação aos juros praticados no mercado.

Denunciam, com a contundência de que são capazes, os juros básicos (Selic) definidos pelo Copom, hoje de 12,75% ao ano, mas não dizem uma só palavra contra os juros praticados pelos demais empresários (banqueiros ou não) no financiamento do capital de giro, no desconto de duplicatas, no cartão de crédito, no cheque especial, no financiamento pessoal e nas vendas a prazo, que chegam a ultrapassar os 100% ao ano.

Na condição de presidente da CNI, o empresário Armando Monteiro Neto rechaça "de forma veemente" o conteúdo da coluna. Ele afirma que nunca defendeu as medidas protecionistas que o Ministério do Desenvolvimento tentou implantar. E que foi o primeiro a qualificá-las como "trapalhada".

E enumera vários documentos oficiais em que a CNI afirma e reafirma seus compromissos com a desburocratização, com a competitividade e com o cumprimento das obrigações dos empresários perante o Fisco.

Mas Monteiro Neto não refutou a crítica de que os dirigentes das entidades que representam os empresários se omitem na condenação dos juros cobrados do tomador de crédito, talvez porque o comércio e a indústria, portanto também os empresários, cobram dos seus clientes, ou do próprio consumidor final, escancarada ou disfarçadamente, juros equivalentes aos cobrados pelos bancos.

Esses juros ou estão incorporados ao valor da fatura ou já integram o preço final à vista, pagável em várias prestações mensais "sem juros".

Aula magna de Heráclio Salles Villas-Bôas Corrêa

JORNAL DO BRASIL

Revendo, a pedido da família, artigos do meu fraterno e saudoso amigo, o baiano de Santo Amaro da Purificação, Heráclio Assis de Salles, que devem compor o livro que está sendo montado com a dedicação dos seus filhos, mergulhei no texto impecável de um dos maiores repórteres e escritores da minha geração.

No artigo, com o título que aguça a curiosidade do leitor – História, dia a dia – de 11 de fevereiro de 1993, o autor esclarece que o tema gira sobre "a verificação de que, nos últimos 30 anos, a imprensa em geral, e não alguns profissionais isolados, perdeu competência para lidar com os fatos produzidos na esfera do Legislativo e também do Judiciário".

E entra firme no tema: "A verdade maior, entretanto, está em que a imprensa reflete as condições gerais de vida de uma sociedade de modo a se deixar, ela mesma, afetar pelas distorções e erros de toda a espécie. Do ponto de vista do que estamos tratando, que é a propriedade dos meios de expressão usados na transposição de fatos e temas institucionais, pode-se dizer em síntese: se a imprensa parece mal, deve-se antes buscar a causa que opera fora dos seus quadros".

E chegamos ao ponto que deve interessar especialmente aos repórteres políticos: "Em relação ao Congresso, por exemplo, a imprensa tratou sempre os temas a ele pertinente com propriedade irrepreensível, até a mudança para Brasília. Poucos foram os profissionais qualificados (pela frequentação ao plenário e às comissões) que se transferiram para o Planalto goiano. Além disso, lá, o Congresso passou, como instrumento de operação, a enfrentar condições adversas de funcionamento. E logo cairia no alvo das desconfianças e golpes de grupos autoritários, provocados pelo desequilíbrio pessoal de dois presidentes sucessivos, que acabaram abrindo o caminho às intervenções militares mutiladoras do quadro institucional.

Diante de um Legislativo que deixava de ser sujeito, para figurar como simples objeto no pensamento dominante, os jornais perderam a preocupação com os profissionais que iriam visitá-lo – e não mais freqüentá-lo – sem a qualificação exigida para a tarefa em outros tempos. Os erros se sucederam no noticiário e na avaliação crítica da importância do processo legislativo, esquecido em meio ao eclipse da vida política.

O aparelho refletidor passa a atuar, no caso, inevitavelmente, como gerador de luz falsa para iluminar uma imagem que já se construía com o propósito inconsciente de fazê-la repulsiva. Tanto é este o fenômeno que o mesmo se deu com o Judiciário, igualmente empurrado para a sombra dos regimes castrenses. Se os repórteres desconhecem o processo legislativo, igualmente não se informam, sequer sobre as espécies de processo que correm nas varas e tribunais. Pouquíssimos assimilaram a terminologia essencial, informando mal o leitor e confundindo o trabalho dos magistrados.

Tanto a causa do fenômeno era a indicada que a imprensa procurou rapidamente se aparelhar em Brasília – por iniciativa dos próprios repórteres, o que é expressivo – para tratar adequadamente os atos praticados na área econômica, também afetada pelas deficiências estruturais e de instalação física da nova capital".

Paro aqui a transcrição para algumas observações que considero pertinentes. O artigo de mestre é de fevereiro de 1993, lá se vão quase 16 anos. Do governo de Itamar Franco até os dois mandatos de Lula, passamos pelos oito anos dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.

Não quero cometer injustiça com colegas que fazem o que podem para cobrir um Congresso que não se dá ao respeito, que não tem rotina de trabalho na madraçaria da semana de três dias úteis e que perdeu os limites da compostura com a desfaçatez com que se premiam com a cascata de vantagens, benefícios, privilégios, dezenas de assessores até a inqualificável verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para ressarcir as despesas de suas excelências no fim de semana na base doméstica com passagens aéreas pagas pela Viúva.

A saudade do velho amigo não precisa ser invocada na pequena homenagem da transcrição de trechos de artigo que parece escrito ontem, neste espaço que ele ocupou durante anos.

Uma conta de chegar Dora Kramer

O ESTADO DE S.PAULO

Nada como o risco da desmoralização no início de uma empreitada da envergadura da eleição presidencial para forçar o PSDB a descer do muro de onde observava a disputa entre PT e PMDB pela presidência do Senado.

Não foi propriamente uma decisão referida no melhor para o partido - tendo em vista a eleição de 2010 no horizonte -, muito menos baseada na alegada aceitação do convite feito pelo senador Tião Viana para que os tucanos fossem parceiros do PT numa operação de "limpeza" do Senado.

O PSDB surpreendeu ao tomar uma posição na noite de quinta-feira, quando todos esperavam e o próprio partido dava indicações de que liberaria os votos em tese e, na prática, orientaria a bancada em favor da candidatura de José Sarney.

Isso, segundo constou das versões correntes, na esperança de que Sarney esquecesse antigas rusgas e levasse seus aliados no PMDB ao projeto tucano para 2010.

O raciocínio que prevaleceu, porém, parece ter sido outro: se apoiassem Sarney, poderiam ser responsabilizados por tudo de mal que porventura pudesse acontecer à candidatura de Michel Temer na Câmara e, aí perder dos dois lados.

Temer é um aliado tradicional do PSDB, assim como todo o grupo que aderiu a Lula depois da reeleição. Sarney é um desafeto antigo que, na hora agá, dificilmente desembarcaria da canoa governista para embarcar na oposicionista. Mais não seja, para manter as aparências e não deixar o atual presidente terminar o mandato em feitio de abandono.

Sendo assim, para o tucanato melhor não arriscar o certo pelo altamente duvidoso. Inclusive porque o problema não é nem o apoio em 2010, mas o controle do PMDB daqui até lá. A derrota de Temer teria como consequência a perda da presidência e a mais que provável entrega do comando do partido ao senador Renan Calheiros.

Os 13 votos do PSDB alteram o quadro, abalam o favoritismo de Sarney? Abalam, embora talvez não sejam suficientes para mudar a situação, pois na contrabalança há 14 votos do DEM a favor do ex-presidente.

O lance tucano põe os dois em posição de disputa real e, sobretudo, dá oportunidade ao PSDB de recuperar poder de influência na eleição, perdida quando o partido tendia para Sarney, contribuindo para o desenho de uma vitória antecipada.

Agora, daí a dizer que Tião Viana chamou os tucanos para juntos patrocinarem uma "limpeza" no Senado e por isso levará os votos é abusar da boa vontade alheia. Primeiro, porque obrigaria suas excelências a nominarem a lista das "sujeiras", dado que a preliminar de que admitem a existência delas está posta.

Segundo, obrigaria o respeitável público a acreditar numa mudança repentina de atitude dos partidos que aceitam a convivência com gente de vida pregressa duvidosa, com um terço de senadores suplentes sem voto e indicados pela vontade unilateral do titular da vaga, com acertos para salvar mandatos ao arrepio das evidências de quebra de decoro, com troca-troca de votos por cargos na Mesa e por aí afora.

Se tanto PT como PSDB foram cúmplices das imposturas cometidas no Senado, com que autoridade moral falarão a seus pares em limpeza? Levarão o troco na hora sendo instados a denunciar com riqueza de detalhes, e provas, as sujeiras a que se referem. Como participaram de várias delas, tal operação equivaleria a um tiro na testa.

Negócios

A bancada do PT contabiliza a eleição do ex-senador José Jorge para o Tribunal de Contas da União entre evidências de que vem de longe a negociação entre o PMDB e o DEM, em prol da candidatura de José Sarney para a presidência do Senado.

O PMDB tinha candidato, mas deixou Leomar Quintanilha no ora veja e deu votos a José Jorge em troca - acredita o PT - do apoio do Democratas a Sarney.

Contradição em termos

Quanto mais o ministro da Justiça, Tarso Genro, explica sua decisão de conceder refúgio político ao ativista italiano Cesare Battisti, mais se desentende com seus próprios atos e opiniões.

Primeiro, havia alegado que sua decisão era coerente com a "generosidade" brasileira no tocante ao abrigo de estrangeiros com problemas políticos em seus países de origem. Posição desmentida pela devolução sumária dos atletas Guilhermo Rigondeaux e Erislandy Lara à ditadura cubana.

Agora, Tarso Genro argumenta que a Itália vive no passado, referida nos "anos de chumbo", enquanto o Brasil promoveu sua "pacificação política".

Isso, sendo ele um dos principais defensores da revisão dos termos do contrato firmado entre as forças políticas no Brasil na década dos 80, pelo qual o ponto de partida para a redemocratização seria a anistia para todos os crimes - da ditadura e da resistência ao regime.

O ministro diz que não pretende a revisão da anistia, mas, na prática, é o que significaria a punição aos torturadores defendida por ele.

Lula, a azia e Brown Clóvis Rossi

FOLHA DE S. PAULO

DAVOS - Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sente azia ao ler os jornais, conforme disse a Mário Sérgio Conti, da revista "Piauí", fico imaginando o estômago de Gordon Brown ao ter que enfrentar os jornalistas britânicos.

Ontem, Brown estava dando uma entrevista coletiva ao lado de Ban Ki-moon, o secretário-geral das Nações Unidas.

Termina a fala inicial, abre-se o espaço para perguntas e uma loirinha da ITV dispara: "O senhor fala em recuperar a confiança [no sistema financeiro global]. Mas o senhor não goza mais da confiança do público britânico" -e por aí foi.

Brown deu uma de Paulo Maluf, que, ante perguntas desagradáveis, muda completamente de assunto.

Insistiu na necessidade de pôr ordem na economia global. A repórter continuou afirmando que o premiê não tinha mais a confiança de seu público, a ponto de forçar o mediador a interromper para dizer que, como britânico, adora discutir política interna, mas que o assunto ali era a crise global.

Esse comportamento de jornalistas é até certo ponto comum nos Estados Unidos e no Reino Unido, bem menos que no resto da Europa.

No Brasil, é impensável. Suspeito ser o segundo repórter mais velho em atividade como repórter no Brasil, atrás apenas desse estupendo companheiro chamado Paulo Totti, hoje no "Valor Econômico".

Participo de entrevistas com presidentes desde Ernesto Geisel, há, portanto, mais de 30 anos e sete presidentes.

Nunca vi um desafio tão frontal e tão agressivo nem mesmo nos momentos em que o presidente de turno estava com o prestígio no solo e, portanto, era mais fácil ser valente "contra" ele.

Fazer perguntas desagradáveis é uma coisa -obrigatória, alias. Emitir conceitos em vez de perguntar é outra coisa. Mas fico curioso em saber como Lula reagiria em uma situação como a de Brown.

Terra de cego Merval Pereira

O GLOBO

DAVOS. A diferença entre a ignorância conhecida - as coisas que sabemos que não sabemos - e a ignorância desconhecida - as que não sabemos que não sabemos -, é fundamental para a tomada de decisões. A frase, muito boa, embora atribuída a um autor ruim, o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld, pode explicar a existência de dois Brasis aqui em Davos. O oficial, vendido por autoridades e empresários que participam do Fórum, enfrenta a crise econômica internacional com galhardia e pode até mesmo dar lições ao mundo. O outro, o não oficial dos analistas econômicos que, embora sejam unânimes em admitir que o país nunca esteve tão bem preparado para enfrentar a crise, prevêem dificuldades crescentes pela frente.

Alguns poucos, como Nouriel Roubini, chegam a prever crescimento próximo de zero, ou até mesmo negativo para o Brasil neste annus horribilis. É verdade que os analistas econômicos não estão em alta depois da crise, mas, para nosso azar, foi Roubini o que mais acertou nos últimos tempos, inclusive no tamanho do problema.

Na contramão do pessimismo, o Brasil oficial exibiu ontem números exuberantes de crescimento da classe média e distribuição de renda, em um almoço em que o tema era "Brasil, o novo poder influente".

O chanceler Celso Amorim citou a presença cada vez mais forte do Brasil nos G-20, tanto o formado pelos emergentes que negociam na Organização Mundial do Comércio, quanto no que reúne os países mais influentes do mundo.

Mas não resistiu e enveredou pelo campo social, ressaltando a distribuição de renda promovida pelo Bolsa Família, e chamou a atenção para o fato de que o Brasil começou uma política anticíclica de grandes obras de infraestrutura (referia-se ao PAC) antes mesmo de os Estados Unidos aprovarem seu Plano de Recuperação Econômica.

Já o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, desfiou números exuberantes de investimentos para os próximos anos, e alinhavou diversos motivos pelos quais acredita que o Brasil esteja em situação melhor que os Estados Unidos no momento, entre eles nosso sistema financeiro saudável e a existência de bancos estatais que podem prover financiamentos nos momentos de dificuldade de crédito.

De fato, o plano de investimentos da Petrobras para 2009-2013 é 55% maior do que anteriormente projetado, o que sinaliza uma confiança no futuro, mas com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que destinará à estatal mais de ¼ de toda verba extra para investimentos, podendo chegar a 50% se a empresa continuar sem financiamentos privados em 2010.

Uma confiança que tem claro objetivo político, de manter a expectativa de futuro em alta, especialmente a exploração do petróleo do pré-sal. Não foi à toa que Gabrielli disse em sua exposição que a Petrobras prevê que o preço do barril do petróleo subirá nos próximos anos e que, mesmo com as energias alternativas, o petróleo continuará sendo a principal fonte de energia no mundo nas próximas décadas.

Da mesma maneira que Amorim não se deteve em seu campo específico para enaltecer nossas glórias, Gabrielli dispôs-se a analisar a vantagem comparativa entre o crescimento do Brasil e dos Estados Unidos, ambos baseados, sobretudo, no consumo interno.

Segundo o presidente da Petrobras, enquanto no Brasil o consumo aumentou devido à melhoria da distribuição de renda e ao crescimento da classe média, nos Estados Unidos o crescimento deu-se devido aos ganhos do sistema financeiro e à concentração de renda, o que os coloca hoje em situação delicada.

Do setor privado, o CEO para América Latina do Banco Itaú, Ricardo Vilela, destacou nossas vantagens comparativas no sistema financeiro, um ponto central da crise econômica global. Ressaltando que o sistema bancário brasileiro não foi afetado pela crise do sistema financeiro internacional, Vilela disse que a sensação que se tem é de já ter-se visto esse filme antes, e que no Brasil teve um final feliz, gerando um sistema bancário sólido e seguro.

Confrontado com as reclamações do governo brasileiro, vocalizadas até mesmo pelo presidente Lula, de que o fluxo de financiamento do sistema bancário do país não está normalizado, apesar das medidas do Banco Central para dar liquidez ao mercado, Ricardo Vilela disse que os financiamentos estão crescendo, mas admitiu que estão também mais caros, alegando que a crise internacional impede que se volte aos níveis anteriores.

Os arautos das nossas qualidades esqueceram-se de falar, e não seria razoável exigir que o fizessem num momento de celebração como aquele em Davos, que a economia brasileira já está em recessão, e que todas essas conquistas, verdadeiras, podem se esfumaçar com a redução drástica do crescimento econômico.

Mas, como em terra de cego quem tem um olho é rei, são os emergentes que estão ditando as regras em Davos este ano. Ao contrário do que fizeram Rússia, Índia e China, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de estar mais em evidência, como estaria se o Lula aqui estivesse, em vez de ficar comemorando o fim do capitalismo no Fórum Social Mundial em companhia de Chávez, Morales e Correa.

Lula teria sido uma figura de destaque, ao lado dos primeiros-ministros da China, Wen Jiabao, e da Rússia, Vladimir Putin, que criticaram "a ganância excessiva" e o "individualismo" do sistema capitalista, mas não comemoraram seu suposto fim, ao contrário, dispuseram-se a ajudar os Estados Unidos, e o mundo, a sair do buraco.

Mas, reforçando o clima de euforia que cercou a delegação brasileira, o chanceler Celso Amorim, que já chamou certa vez Lula de "nosso guia", fez uma graça dizendo que não afirmaria que "Davos precisa mais de Lula que Lula de Davos", mas justificou sua ausência alegando que a demanda do mundo pela presença dele é muito maior do que sua capacidade de supri-la.

VEJA Carta ao Leitor

O dia em que o governo sumiu
Ricardo Stuckert/AE
Naquela mesa A crise poderá não dar uma segunda chance se a coordenação do governo existir apenas nesta foto

Enquanto o titular viajava pelo norte da África, o sub do Ministério do Desenvolvimento achou que era hora de dar uma guinada de 180 graus na orientação oficial brasileira de comércio exterior e decidiu tomar uma medida protecionista radical. O funcionário resolveu exigir licença prévia para importação de 60% dos itens da pauta brasileira de compras externas, algo como 3 000 produtos. O ministro viajante não foi informado, o da Fazenda tomou conhecimento pelos jornais e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva só soube o que estava em curso quando chegaram a seus ouvidos avaliações dos efeitos desastrosos sobre o coração da atividade produtiva do país. A loucura durou 48 horas. Ela foi suspensa por ordem do presidente Lula, que a classificou de "um erro fenomenal". Resolvido? Longe disso.

É muito bom que o presidente tenha agido rapidamente, mas a situação toda é um péssimo sinal de falta de diretrizes, coordenação, clareza e linha de comando na Esplanada dos Ministérios. Absorvido pela missão que se colocou de viabilizar a candidatura de Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, o presidente Lula a inclui em quase todas as suas viagens, que, como se sabe, são de duração e frequência incomparáveis na história republicana brasileira. Se o governo fica à deriva sem Lula e Dilma por perto, o país tem um problema sério. O quadro é alarmante se tomado como um teste da prontidão do governo brasileiro para enfrentar com rapidez e acerto os desafios propostos pela atual crise financeira mundial. Está-se diante de um sorvedouro de riqueza de causas complexas, abrangência profunda, diagnóstico confuso e tratamento desconhecido. É uma falha sistêmica cuja virulência se avoluma a cada dia. Esse fenômeno tem potencial para desestabilizar até mesmo as economias mais sadias, como, sem dúvida, é o caso da brasileira. Toda a atenção é pouca. Não é aceitável agora baixar a guarda, seja qual for a razão alegada para isso. Um momento de desgoverno nesta hora grave pode ser fatal.

VEJA Entrevista Mauricio de Sousa

A Mônica já quer namorar

O criador da menina dentuça que encantou três
gerações de crianças explica por que a versão
adolescente da personagem faz tanto sucesso


Duda Teixeira

Lailson Santos

"Alguns disseram que eu matei
a Mônica. Esquecem que hoje as famílias conversam sobre tudo: sexo, drogas, violência"

O desenhista Mauricio de Sousa é o criador do personagem infantil brasileiro de maior sucesso em todos os tempos, a Mônica. Agora, numa manobra incomum no mundo dos quadrinhos, ele acaba de reinventá-la. Na revista Mônica Jovem, já na quinta edição, a menina dentuça e voluntariosa se transformou numa adolescente sensual, que veste minissaia e beija os rapazes na boca. O sucesso da publicação é estrondoso, com 410 000 exemplares vendidos, contra 200 000 que costuma vender o gibi da Mônica ainda criança. A mudança da personagem, alega Mauricio, foi uma forma de se adaptar às transformações de uma sociedade em que a infância é cada vez mais curta. "Se antes adolescentes de 14 anos ainda liam e gostavam dos meus gibis, hoje eles começam a deixar de lê-los aos 7", ele diz. Aos 73 anos, Mauricio falou a VEJA do futuro dos gibis, da experiência dolorosa de ter um filho sequestrado e de sua família numerosa.

Como explicar que os gibis da Mônica adolescente vendam o dobro dos da Mônica criança? Em cinco décadas, uma mudança extraordinária aconteceu no nosso público. Se antes adolescentes de 14 anos ainda liam e gostavam dos meus gibis, hoje eles começam a deixar de lê-los aos 7. Aos poucos, passam a considerar a Turma da Mônica coisa de criança e a comprar mangás japoneses. Quando estão com 10 anos, já se assumem como jovens. São os pré-adolescentes, meninos e meninas com preocupações e vontades diferentes daquelas que havia quando a Mônica foi publicada pela primeira vez. A infância, portanto, encolheu. Há mais ou menos cinco anos, comecei a pensar em uma maneira de não perder esses leitores. Minha solução foi oferecer a eles um pouco do universo jovem, que até então era reservado aos mais velhos. Pegamos os tradicionais personagens da Turma da Mônica e os inserimos em histórias com uma boa dose de relacionamento. Eles agora protagonizam cenas de ciúme, sentem atração pelo outro sexo e ficam inseguros no grupo. Estão com os hormônios pipocando e não sabem o que fazer com isso. No quarto número, colocamos a Mônica beijando na boca o Cebolinha, agora chamado de Cebola. Deu supercerto. Crianças de 7 anos voaram para o mangá como abelhas no mel. Leem as histórias e se projetam nos nossos personagens. As meninas não veem a hora de ser como a Mônica jovem: descolada, bonitinha, moderninha.

"Hoje a criança ouve
música, joga videogame
e estuda, tudo ao
mesmo tempo.
Quando pega um gibi,
contudo, ela fica
completamente
mergulhada na história.
Os gibis e os livros
ajudam os pequenos
a se concentrar"

Estamos perdendo anos preciosos da infância? Essa melancolia que vejo em muitos adultos não faz sentido. Nada está sendo perdido. A questão é que tudo ficou mais intenso, condensado.
A infância diminuiu em quantidade, mas ganhou em qualidade. As crianças de hoje aproveitam mais e melhor o tempo e se tornam cidadãs e se formam como ser humano antes do tempo. Logo, logo, será preciso adiantar as datas para que possam entrar mais cedo na faculdade. Elas fazem tudo ao mesmo tempo e não se queixam disso. Não têm preguiça. Meu filho Marcelinho, de 10 anos, está passando alguns dias em uma cidade pequena no interior da Bahia. Está adorando conviver com um monte de crianças com bagagem cultural diferente. Brinca na rua, nada no rio, anda de jegue e joga bola livremente. A qualidade dessa experiência pela qual ele está passando é fantástica. O Marcelo está fazendo as coisas que eu fiz quando era pequeno. Mas ele não precisa passar vários anos da vida fazendo isso. Pode ficar apenas dez dias. Quando voltar a São Paulo, retornará para as aulas de inglês e será novamente um dos campeões de xadrez da escola. Jogará videogame e assistirá à novela. Então essa experiência na Bahia se somará às outras. É uma vida vibrante. O Marcelo não é excepcional. Todas as crianças hoje o são, mesmo as que moram em bairros pobres e favelas.

O senhor foi criticado quando criou a Mônica jovem? No Orkut, teve gente dizendo que eu apelei, que estava expondo as crianças a algo nocivo. Pura besteira. Os pequenos não entendem que uma roupa curta ou um decote têm algo a ver com sexualidade. Eles interpretam isso como algo fashion, colorido, quase uma mensagem gráfica. Outros disseram que eu devia estar sob efeito de alguma droga, que eu tinha matado a Mônica. Esquecem ou não percebem que nosso trabalho sempre tem a família como foco principal. Acontece que nas casas de hoje se pode conversar sobre tudo: sexo, drogas, violência. Se o pai não puxa esses assuntos, o filho de 5 anos faz isso por ele. É preciso parar de tratar as crianças como seres inferiores, sem senso crítico, sem experiência de vida. Tudo pode virar tema. Não é preciso censurar, apenas deve-se tomar cuidado para usar uma linguagem correta. Em 2004, decidimos que o Xaveco, amigo do Cebolinha e do Cascão, seria filho de pais separados. Ele passaria alguns dias com o pai e outros com a mãe, normalmente. Depois que publicamos a primeira história do Xaveco, nós nos sentamos e ficamos esperando os e-mails e cartas de reclamação. Não houve um único sequer. É um exemplo claro de como o mundo mudou.

O Menino Maluquinho, criação do cartunista Ziraldo, é filho de pais separados e vai fazer trinta anos em breve... O Ziraldo avança mais do que eu. Tenho de ser mais cuidadoso. No estúdio, no parque de diversões e nos escritórios de apoio, temos 500 pessoas trabalhando. Ainda há os funcionários da gráfica e das empresas que fazem os brinquedos. É uma responsabilidade muito grande. Tem gente pedindo para eu criar um personagem gay. Esse tema ainda é muito novo. Mas eu sei que, no futuro, se essa tendência continuar, será natural ter um homossexual na Turma. No meu estúdio, digo que não devemos levantar uma bandeira e ir à frente de uma passeata. Devemos segurar a bandeira quando ela já está passando. Precisamos falar a língua do dia e da hora, mas tomando certos cuidados. Foi com essa fórmula que construí minha carreira.

O senhor já pensou em criar um personagem rebelde ou fazer histórias para adultos com mais realismo? Confesso que não saberia fazer isso. Minhas histórias sempre têm uma preocupação, uma proposta de futuro. Tenho para com meus personagens uma atitude parecida com a que exerço com meus filhos. Às vezes, convoco um deles para um sermão, pedindo que se comporte melhor. Muita gente reclama que eu deveria mostrar coisas negativas, como miséria e fome. Também não é a nossa proposta. Durante a II Guerra, todos os personagens dos quadrinhos americanos foram para o campo de batalha. Todos menos o Ferdinando, do Al Capp. Quando perguntaram ao desenhista se o personagem era contra os Estados Unidos, Al Capp respondeu que o soldado que lia o jornal na trincheira não queria saber de guerra. Ele precisava, sim, é de algo gostoso, bucólico, que o fizesse lembrar que tinha um lugar para retornar quando o conflito acabasse. É essa, um pouco, a nossa ideia. Promovemos lazer, entretenimento e diversão. O resto, a criança encontra na televisão ou na esquina.

Chico Bento é um personagem rural em um país no qual a maior parte da população é urbana. O personagem ainda faz sentido? Chico Bento não vai sumir, porque as pessoas estão retornando ao campo. Não querem viver em uma tapera, mas almejam um lugar com qualidade de vida, perto da natureza. É isso que o Chico representa. Se pudesse, eu me mudaria para Caçapava, onde tenho uma chácara. Nos últimos anos, expulsei meus roteiristas de São Paulo. Eles trabalham em Porto Alegre, Ribeirão Preto, Jundiaí, Florianópolis e me mandam material diariamente. A cada trinta ou quarenta dias, todos se reúnem para uma conversa. Também não acho que Chico Bento fale de um lugar totalmente utópico ou idílico. Há um monte de cidades povoadas por gente simples, singela como ele. Basta procurar. Na China, o Chico faz mais sucesso que qualquer outro personagem. Os chineses são um povo rural, com a cabeça no campo. Adoram o nosso caipira.

Com a internet, o celular e a preocupação com o consumo de papel, existe um futuro para os gibis? O papel pintado ainda vai durar muito tempo. Há uma diferença gigantesca entre a atenção que as crianças dão ao que está no papel e a dedicada ao que aparece nos equipamentos modernos, como videogame e computador. Meu filho Maurício ouve música com três telas ligadas, joga videogame e estuda ao mesmo tempo. Para quem é mais velho parece estranho, mas as crianças de hoje conseguem fazer isso normalmente. Quando uma criança pega um gibi, contudo, ela se isola totalmente do mundo. Fica completamente mergulhada na história. Com isso, o gibi ou o livro ajudam os pequenos a se concentrar. O cérebro deles estabelece uma prioridade, o que é ótimo para o aprendizado e a memória. Se eles lerem gibis cinco minutos por dia, o papel nunca vai desaparecer.

"Meu filho não carrega sequelas do sequestro. Dois dias depois do estouro do cativeiro, fomos viajar juntos e ele aprendeu que os momentos ruins são finitos. Se eu o tivesse prendido em casa, com seguranças, o trauma teria se ampliado"

Seu filho Marcelo foi sequestrado no ano passado. Como ele assimilou o que aconteceu? Apesar de ter ficado quase vinte dias em cativeiro, o Marcelo não carregou nenhuma sequela. Um dos fatores para isso é que ele ficou o tempo todo com um irmão menor e a mãe, que brigou para ir junto. Graças à presença dela, o Marcelo nunca se sentiu totalmente ameaçado ou sem proteção. Isso bloqueou qualquer dano à cabeça dele. Outro fator importante foi que, dois dias depois do estouro do cativeiro, eu peguei meu filho, coloquei-o no avião e o levei para Boston, onde eu tinha uma palestra para fazer na Universidade Harvard. Foi uma viagem maravilhosa. Ele conheceu Nova York, jogou bola e assistiu a minha conferência. Foi uma das melhores coisas que fiz, porque com isso ele aprendeu que os momentos ruins são finitos. Depois, Marcelo juntou tudo o que viveu nesses dias agitados e cresceu um pouquinho mais. As coisas ruins, dramáticas, ficaram na cabeça dele como se houvesse cortinas tapando. Se eu o tivesse prendido em casa, contratado um monte de seguranças e o proibido de sair, apenas teria ampliado aquela experiência traumática. Como não fiz isso, a ferida cicatrizou.

A alta criminalidade nas cidades brasileiras impede as crianças de brincar na rua ou no campinho, como a Mônica e o Cebolinha. Chegou a hora de mudar o cenário das histórias? Detesto me sentir refém em uma cidade como São Paulo. Fico triste quando ando no meu bairro e vejo que as casas viraram casamatas. Imóveis lindos estão completamente cercados por muros. Briguei muito comigo mesmo para aceitar blindar meu carro. Não queria fazer isso. Tenho ainda um Fusquinha amarelo que não é blindado. Quando o dirijo, o pessoal da empresa me chama de louco. Viver acuado é aceitar uma violência contra nós mesmos. É paradoxal. Evoluímos com tanta firmeza, criando tantas coisas para as crianças, e ao mesmo tempo mostramos tanta fraqueza diante da violência. São coisas que não batem. As crianças devem ter o direito de brincar na rua com segurança. Viajo muito por outros países e percebo que as pessoas não sentem essa tensão que vivemos aqui. Um dia temos de dar um jeito nessa situação.

O senhor tem dez filhos com quatro mulheres, onze netos e um bisneto. Como se lida com uma família tão numerosa? Ninguém pode pensar hoje que casou por toda a vida. As crianças perceberam isso. Pela minha experiência, quando os pais resolvem bem a situação entre eles, os pequenos não estão nem aí. São fortes, adaptam-se. Mesmo se porventura levam uma pancada, recobram-se e voltam ao normal. Quando meus filhos se juntam, são irmãos do mesmo jeito. Claro que às vezes um deles pode ficar com ciúme. É inevitável. Mas dá para contornar. Hoje somos um núcleo familiar em que há hierarquia e disciplina. Há inúmeros casos como o meu. Ao atravessarem essas mudanças, as crianças de hoje em dia ganham muito em autoestima. Aprendem que são capazes de resistir às mudanças e até de ensinar lições aos pais.

Diogo Mainardi Questão de tradição


"O refúgio concedido por Lula ao terrorista
italiano Cesare Battisti é perfeitamente
coerente com nosso passado. Nós sempre
soubemos acolher os estrangeiros.
Em particular, os criminosos"

Inhame.

Inhame? Inhame é o protagonista de Brazil, o romance que o americano John Updike ambientou no Rio de Janeiro. O tubérculo representa os atributos viris de um trombadinha negro que seduz uma adolescente branca. O romance só tem isso: inhame para cá, inhame para lá. É John Updike parodiando Agamenon Mendes Pedreira, a maior autoridade brasileira em matéria de vegetais de duplo sentido.

John Updike morreu na semana passada. Eu me lembrei da singela hospitalidade com a qual ele foi recebido durante sua passagem pelo Brasil. Nós herdamos o espírito acolhedor dos tupinambás. Aos estrangeiros ilustres que desembarcam em nossas praias, vamos logo oferecendo as melhores mulheres da tribo e uns espetinhos tostados de carne humana. John Updike – o Caramuru da Pensilvânia – se impressionou com nosso caráter generoso e, dois anos depois de vir para cá, dedicou-nos seu romance mais desastrado, Brazil.

O refúgio concedido por Lula ao terrorista italiano Cesare Battisti, condenado por participar de quatro assassinatos em nome dos "Proletários Armados pelo Comunismo", é perfeitamente coerente com nosso passado. Nós sempre soubemos acolher os estrangeiros. Em particular, os criminosos. Fazemos isso desde a época do descobrimento. Antes de voltar para Portugal, Pedro Álvares Cabral abandonou dois degredados portugueses entre os índios. Os primeiros europeus residentes no Brasil foram dois bandidos. Cesare Battisti, acomode-se. Cesare Battisti, posso apresentar-lhe minha filha?

Há outros casos como o dele. O médico nazista Josef Mengele, depois de torturar milhares de prisioneiros em Auschwitz – amputando seus membros, injetando tinta em seus olhos, esterilizando-os com raios X e costurando-os uns aos outros a fim de torná-los siameses –, refugiou-se na Praia de Bertioga. O chefe mafioso Tommaso Buscetta, acusado de tráfico de drogas e assassinatos na Itália e nos Estados Unidos, escondeu-se no Rio de Janeiro.

Nosso costume de abrigar criminosos de todas as espécies alimentou também as tramas de uma infinidade de filmes estrangeiros. Como Interlúdio, de Alfred Hitchcock (Ingrid Bergman infiltra-se num bando de cientistas nazistas que opera no Rio de Janeiro). Ou O Mistério da Torre, de Charles Crichton (Alec Guinness rouba um carregamento de ouro de um banco e foge para o Brasil, onde encontra Audrey Hepburn, no papel de Chiquita). O resto dos filmes ambientados aqui é desoladoramente ruim. O Brasil tem este efeito: nunca consegue inspirar algo que preste. Como aconteceu com John Updike e seu inhame. O Brasil só é bom mesmo para assassinos. Cesare Battisti, aceita mais um espetinho?


MILLÔR

A VELHICE REABILITADA (?)

A infância não, a infância dura pouco. A juventude não, a juventude também é passageira. A velhice, sim. Quando um cara fica velho é pro resto da vida. E cada dia fica mais velho.

Neste momento em que, afinal, aparecem algumas mulheres defendendo a preservação das rugas, repudiando botóquicis e cirurgias redeformantes, repito a minha posição desde os 20 anos de idade, quando comecei a envelhecer. Defendi isso, entre outros lugares, no álbum do fotógrafo gaúcho Robinson ACHUTTI e no roteiro de Últimos Diálogos, que escrevi para, e com a supervisão de, Walter SALLES


No álbum de ACHUTTI
Mas olho, com ternura e profunda identificação, essa cara. E ela me olha, essa cara, não com a cara que tem quando anda pelas ruas, mas com a cara que a sensibilidade – do dedo, do olho, do psíquico? – do fotógrafo fixou. Com um pouco da crueldade de Lucien Freud no ato de apunhalar personalidades, muito do sentimento de Cartier‑Bresson diante do trabalho de Munkacsi: "Me mostrou que o instante é a eternidade".

Mas sinto também, nessa foto, condolência e admira-ção, uma percepção reserva-da a muito poucos, a revelação do negativo da beleza. Olho nesses olhos que são os meus, e é como se eles me dissessem: "Qualquer idiota pode ser jovem. Em poucos anos se consegue isso. Mas caras jovens são fotograficamente aflitivas. Não têm biografia. Chapas sem emulsão. Lisas. Pois é preciso muito tempo para envelhecer. E muito talento. O su-premo talento da sobrevivência".


Do roteiro de ÚLTIMOS DIÁLOGOS
GONZAGA – Fui descobrindo uma forma de viver dentro e fora do viver normal. Descobri o Não. Que não precisava gostar de gato nem de cachorro (pega Cátia no colo), embora goste muito de Cátia, nem de celtas, escandinavos, políticos, gringos, negros e mulatos. Nem de mulatas, por falar nisso.

Eu gostava, muito, meu orgasmo era observar a servidão das pessoas à ditadura do gostar. Por que gostar? O que é gostar? Eu detestava – detesto! – classes. Gregos, troianos, assírios, sergipanos, grã-finos, militares, acadêmicos e, mais que tudo, intelectuais. E não falo de falsos intelectuais. Falo dos de verdade. Inteligentes, finos, perspicazes, criativos. Falo dos mais admiráveis – que saco! São os piores. Quando não têm drama eles arranjam, os dramas antigos eles conservam, relembram sempre, os que existem, ampliam, esmiúçam.

A humanidade é muito mais feliz do que os intelectuais descrevem. A tragédia é apenas um ou outro momento da história, em um ou outro pedaço da geografia. Num instante menor de uma vida humana. Tem gente que nasce, vive 70 anos e morre sem o gozo e a glória de um instante dramático.

MARÍLIA – Morre feliz?

GONZAGA – Por aí. Só não consegui me libertar de gostar... dos velhos. Não consegui me livrar dos velhos. (Aponta, num canto, um pôster de Bertrand Russell.) Aos poucos, com o passar dos anos, eles vieram vindo. Começaram a me atrair, me atraem, estão em mim mesmo. Agora, coisa que não acontecia antes, gosto de mim. (CLOSE. Olha fixo na câmera, um tempo, como se estivesse se olhando num espelho.) Jamais me passaria dizer como aquele escritor, medíocre, aliás, esqueci o nome, que escreveu aquele romance... Esqueci também. (Bate na testa.) Como é mesmo o nome dele?

MARÍLIA – Com esses dados é impossível saber.

GONZAGA – Somerset Maugham! Aos 90 anos disse: "Tenho horror de olhar no espelho essa minha cara chinesa". O coitado não aprendeu nada. Qualquer idiota consegue ser jovem. É preciso muito talento pra envelhecer. Tudo que viveram está escrito nas sombras e desvãos das velhas fisionomias. Pessoas de 70, 80 anos, são epopeias fisionômicas. Caras jovens são aflitivas. Lisas. Não guardam nada. Que saco Henry Fonda moço, John Wayne moço, como a gente vê agora a toda hora na televisão, mostrando a sua fugidia juventude. Eu me amo, agora. (Absolutamente frio.) E eu te amo agora, mais do que naquele momento em que, vendo você partir, descobri isso.

"Não achávamos que houvesse hipocrisia em praticar nossas excentricidades num silêncio decente."
Somerset Maugham, aos 65 anos, defendendo o armário

RADAR Lauro Jardim


ljardim@abril.com.br

Lailson Santos
Digital Klein: tentando recuperar
o tempo perdido


Economia

Enfim, na internet
Atenção, a partir de segunda-feira um gigante desembarca na internet: as Casas Bahia, enfim, vão entrar no mundo do comércio eletrônico. Michael Klein, dono da empresa, acha que, apesar de estar chegando ao universo digital depois de todos os seus concorrentes, o site trará inovações que farão as Casas Bahia virar o jogo.

Só para profissionais
O.k., é para quem tem nervos de aço, mas a Bovespa subiu 35% desde o seu pior momento, em 27 de outubro, quando atingiu 29.435 pontos, até sexta-feira, dia em que fechou no patamar dos 40.000 pontos. Uma
senhora valorização.

 

Lula pede por Belém

Andre Dusek/AE
Sugestão presidencial
Teixeira, Blatter e Lula: uma forcinha para a capital do Pará

No meio do encontro entre Lula, Ricardo Teixeira e Joseph Blatter, na quinta-feira passada, o presidente da Fifa pediu ao presidente da República sugestões para as cidades-sede da Copa de 2014. Inicialmente, Lula enumerou as óbvias: Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte. Em seguida, a surpresa: Lula incluiu Belém e, mais do que isso, deu ênfase à capital paraense. Qual é o problema? Bem, das dezessete candidatas, doze serão escolhidas. E, embora não se diga com todas as letras, apenas uma cidade representaria a região amazônica – e a favorita sempre foi Manaus. Agora, a Fifa tem algumas saídas. A primeira é fazer a vontade de Lula. A segunda é mudar os planos e incluir duas cidades amazônicas na Copa. E a terceira é fingir que não ouviu o que foi dito.

 

Eleições 2010

Ainda não é a hora
Não que precise explicitar, mas de qualquer modo José Serra está decidido a não se declarar candidato à Presidência até o fim do ano. Acha que assumir a candidatura atrapalharia o dia-a-dia no governo de São Paulo. Da boca dele, ninguém ouvirá nenhuma declaração nesse sentido. Já da boca dos aliados...

 

Brasil

A intocável Hebara
A Hebara é uma sobrevivente. A empresa saiu ilesa do escândalo Waldomiro Diniz, em 2004, apesar de ter sido citada na conversa entre o então subchefe da Casa Civil nos tempos de José Dirceu e o bicheiro Carlinhos Cachoeira como a beneficiária de uma licitação de cartas marcadas para distribuição de material lotérico no Rio. Conseguiu, mesmo depois do escândalo, manter contratos com o governo de Rosinha Garotinho. Neste mês arrematou também um quinhão (e que quinhão) no governo Sérgio Cabral. No dia 22, garantiu um contrato de 74 milhões de reais com a estatal de loterias do Rio para continuar cuidando dos jogos lotéricos no estado.

 

Defesa do Consumidor

Aqui é diferente
O decreto que impôs rigor no atendimento ao consumidor via call centers (funcionamento 24 horas, sete dias por semana e em sessenta segundos) completa dois meses nesta semana. Beleza. Mas há uma empresa que não o cumpre e, até segunda ordem, está se lixando para ele: a American Airlines, que entrou com uma ação para não cumprir o decreto e conseguiu uma decisão liminar favorável. Outra empresa de aviação americana, a Continental, também foi à Justiça, mas perdeu.

 

Divulgação

Sem surpresas
Roberto Carlos: há 35 anos exclusivo da mesma emissora

Televisão

O Rei e a Globo
Roberto Carlos acaba de renovar seu contrato com a Globo, onde está desde 1974. Desta vez, por três anos – os últimos contratos eram todos anuais.

 

Cidades

Eike quer o porto do Rio
Eike Batista ambiciona tocar sozinho o principal projeto de renovação urbanística do Rio de Janeiro para os próximos anos: a revitalização da área portuária, a exemplo do que já foi feito em Buenos Aires, Lisboa e várias outras cidades. Eike já mostrou seu bilionário projeto, que mistura área de entretenimento, edifícios comerciais e residenciais, ao prefeito Eduardo Paes.

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André Petry Lembra-te de Darwin


"É inaceitável dar criacionismo em aula de biologia. Embrutece porque ensina o aluno, desde cedo, a confundir crença e superstição com razão e ciência."

É assustador que, às vésperas do bicentenário do nascimento de Charles Darwin, pai da teoria da evolução, escolas brasileiras estejam ensinando criacionismo nas aulas de ciências. Já se sabia que as escolas adventistas fazem isso. A novidade é que o negócio está se propagando. Em instituições tradicionais de São Paulo, como o Mackenzie, inventou-se até um método próprio para o ensino. "Antes, usávamos o material que havia disponível no mercado", explica um dos diretores da escola, Francisco Solano Portela Neto.
O criacionismo é ensinado como ciência da pré-escola à 4ª série.

Não há problema em que o criacionismo seja dado nas aulas de religião, mas ensiná-lo em aulas de ciências é deseducador. Criacionismo é a explicação bíblica para a origem da vida. Diz que Deus criou tudo: o homem, a mulher, os animais, as plantas, há 6 000 anos. Quem estuda religião precisa saber disso. É uma fábula encantadora, mas não é ciência. É inaceitável que o criacionismo seja ensinado em biologia para explicar a origem das espécies. Em biologia, vale o evolucionismo de Darwin, segundo o qual todos viemos de um ancestral comum, há bilhões de anos, e chegamos até aqui porque passamos no teste da seleção natural. É a melhor (e por acaso a mais bela) explicação que a ciência encontrou sobre a aventura humana na Terra.

Quem contrabandeia o criacionismo para as aulas de biologia diz que, em respeito à "liberdade de pensamento", está "mostrando os dois lados" aos alunos. Afinal, são escolas religiosas, confessionais, e os pais podem ter escolhido matricular seus filhos ali exatamente porque o criacionismo é visto como ciência. Pode ser, errar é livre, mas que embrutece não há dúvida. Embrutece porque ensina o aluno, desde cedo, a confundir crença e superstição com razão e ciência. É desnecessário. Que cientistas saem de escolas que embrulham o racional com o místico? Também é cascata, porque, fosse verdade, a turma estaria ensinando numerologia em matemática. Ensinaria alquimia em química, dizendo, em nome da "liberdade de pensamento", que é possível transformar zinco em ouro e encontrar o elixir da longa vida...

Há pouco, na Inglaterra, um reverendo anglicano defendeu o estudo do criacionismo na educação básica. Era diretor de educação da Royal Society. Queria colocar Deus no laboratório da escola. Cortaram-lhe o pescoço. A Suprema Corte americana já examinou o assunto. Mandou o criacionismo de volta às aulas de religião. No Brasil, terra do paradoxo, o atraso avança.

Darwin foi um gênio. Em seu tempo, não se sabia como as características hereditárias eram transmitidas de pai para filho. Nem que a Terra tem 4,5 bilhões de anos e que os continentes flutuam sobre o magma. No entanto, a teoria da evolução se encaixa à perfeição nas descobertas da genética, da datação radioativa, da geologia moderna. Só um cérebro poderosamente equipado, conjugado com muito estudo, pode ir tão longe. Confundido com criacionismo, Darwin parece um macaco tolo. É assustador.

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J.R. Guzzo O preço a pagar


"Nada comprova melhor os efeitos da opção de
governar sem trabalho do que o desastre crescente
em que se vai transformando o caso Cesare Battisti"

Sempre é possível para presidentes da República, sobretudo para os que vivem com altos índices de popularidade como Luiz Inácio Lula da Silva, governar seu país sem os incômodos, as responsabilidades e os riscos de ter posições de verdade sobre questões complicadas. Dá muito bem para Lula, apenas nos anos de 2007 e 2008, ficar 148 dias no exterior e ausente do local de trabalho, em viagens que não têm nenhum propósito – na última das suas visitas à Venezuela, pelo que se viu, foi levado a uma horta e apresentado a uma caixa de tomates. Dá para governar sem ler nada; se a leitura da imprensa lhe provoca azia, imagine-se então em que estado iria ficar lendo um relatório estratégico do ministro Mangabeira Unger. Quando surgem problemas aborrecidos, pode largar a solução, e está sempre largando, para algum subordinado; afinal, ele tem 38 ministros diferentes, secretários com "status de ministro", assessores com "status de secretário" e só Deus sabe quanta gente mais. É perfeitamente possível, em resumo, governar sem trabalhar, quando se dá à palavra "trabalho" o significado que ela tem para as pessoas comuns. Esse é o lado bom do emprego de presidente da República – mas, infelizmente, quase tudo na vida tem dois lados e, pior ainda, acaba tendo alguma consequência concreta. No caso, a consequência de levar um governo nessa toada é que a liderança do chefe simplesmente vai para o espaço – e assim que ela some o ecossistema do palácio presidencial se transforma numa usina de produzir tumultos. É o preço a pagar.

Nada comprova melhor os efeitos da opção de governar sem trabalho do que o desastre crescente em que se vai transformando o caso Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália pela prática de quatro homicídios e presenteado pelo governo brasileiro com "refúgio político". Na semana passada, enquanto a Itália chamava de volta o seu embaixador no Brasil, o presidente Lula tinha diante de si um problema que nunca quis criar e com o qual nem ele nem o Brasil vão ganhar nada, seja lá qual for a solução final. Não aconteceria o que está acontecendo se Lula, logo no começo, tivesse prestado mais atenção no que fez. Num episódio envolvendo um país com que o Brasil jamais teve interesse algum em brigar, e no qual havia pelo menos quatro pareceres dentro do governo, três contra o refúgio e um a favor, ele abandonou a decisão só para o ministro da Justiça, Tarso Genro – que resolveu tomar o partido de Battisti. O presidente não pode, é claro, ficar se metendo em tudo. Mas, se acha que a responsabilidade de resolver um caso desses não faz parte da sua lista de obrigações, o que teria de acontecer, então, para ele agir? Aí já não é delegar autoridade; fica parecendo abandono de serviço.

O próximo passo está a cargo do Supremo Tribunal Federal, que vai julgar se o ministro tinha ou não o direito de tomar a decisão que tomou; não vai julgar se ela está certa ou errada. Esta é a questão que não irá embora – e, qualquer que seja a última palavra, o jogo dos sete erros armado desde o começo pelo governo promete ficar do mesmo tamanho. Não há "crime político" a ser considerado; a Itália está pedindo a extradição de Battisti não porque ele falava mal do governo ou fazia oposição, mas sim porque foi processado, julgado e condenado por sua participação no assassinato de quatro pessoas, o que é proibido tanto pelas leis italianas como pelas leis brasileiras. Não há nenhuma prova de que o Poder Judiciário da Itália tenha feito uma "condenação política", nem de que tenha cerceado os direitos de defesa do réu; quem alega essas duas coisas, sem provar nenhuma delas, são os seus advogados. Não há motivo algum para o governo ficar falando em "soberania"; a Itália não pede que o Brasil seja menos soberano, e sim que lhe devolva um homicida condenado por violação ao Código Penal. O restante da argumentação do ministro Genro é da mesma qualidade.

O presidente da República não quis esquentar a cabeça com esses detalhes, e se chegou a pensar que algo poderia dar errado apostou que o problema, como de costume, acabaria sumindo em alguns dias. É um critério, sem dúvida. A rigor, tudo acaba realmente esquecido com o passar do tempo, mesmo as piores malfeitorias. Ninguém continua falando mal do imperador Nero, por exemplo – e olhem que o homem mandou matar a própria mãe, botou fogo em Roma e crucificou São Pedro de cabeça para baixo. Mas o esquecimento futuro não faz o errado virar certo no presente. Mais ainda, não muda o preço da fatura que tem de ser paga agora.

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Conversa com Diego Hypólito

Panorama
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Conversa com Diego Hypólito

"Já namorei muito"

O departamento de ginástica olímpica do Flamengo, o melhor do país, quase fechou por falta de dinheiro. Foi salvo pela prefeitura de Niterói, que dará 80 000 reais por mês ao clube para manter suas estrelas – entre elas, o ginasta Diego Hypólito

Fábio Portela

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Diego: juntos, ele, Daniele e Jade ganham
30% do salário de um zagueiro reserva

Por que a ginástica está sempre sem dinheiro? A ginástica tem público, dá ibope, mas os clubes não investem em marketing. O Flamengo tem três dos melhores ginastas do mundo: minha irmã Daniele, Jade Barbosa e eu. Poderia fazer eventos, licenciar produtos que renderiam um bom dinheiro.

A decisão do Flamengo esteve vinculada ao salário de vocês? Não. Eu, a Dani e a Jade ganhamos juntos 30% do salário de um zagueiro reserva. Dani e eu tentamos conseguir patrocínios individuais, mas é difícil.

Daniele disse a VEJA que se mantinha virgem à espera de uma pessoa especial. Ela foi muito honesta e corajosa. Dani é disciplinada e abriu mão de várias coisas em nome do esporte. Seu respeito ao corpo foi fundamental para que tivesse uma carreira tão vitoriosa.

Você também espera uma pessoa especial?  Ah, a minha vida foi um pouco diferente... Já namorei muito... Por dois anos, mas sou discreto... Sou mais agitado, mais inquieto que a Dani. Adoro tudo o que tenha movimento: dançar, andar de skate, jogar vôlei, futebol...

Por que seu namoro não foi para a frente? Foi melhor assim. Não estava conseguindo administrar tudo. Minhas prioridades são a ginástica e a família.

 

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Foto Moodboard/Corbis
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