Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 18, 2003

Diogo Mainardi Eu quero sexo


"A gente não se mete na vida sexual dos políticos por um atavismo escravocrata. Os
senhores
de escravos se comportavam como
bem entendiam,
e seus dependentes eram
obrigados
a fingir que não viam nada"

Os americanos gostam de saber tudo sobre a vida sexual de seus políticos. Os brasileiros também gostariam. Só que ninguém lhes conta nada. Pelas histórias que circulam nos bastidores da imprensa, nossos políticos poderiam oferecer grande divertimento aos leitores. Estão sempre se metendo em alguma grotesca enrascada amorosa. É comum que tenham filhos ilegítimos. É comum que mantenham casamentos de fachada. É comum que abandonem amantes mais velhas por amantes mais jovens. Pena que a gente não seja informado. Teríamos um bom assunto para a hora do jantar. Os americanos argumentam que um político que mente para a própria mulher também mente para os eleitores. Bobagem. Todos os políticos mentem. Adúlteros ou não. O único motivo pelo qual vale a pena investigar suas vidas sexuais é tentar arruinar suas carreiras. Qualquer meio para tentar arruinar a carreira de um político é plenamente legítimo.

O silêncio dos brasileiros em relação à vida sexual dos políticos não tem nada a ver com o respeito à privacidade. Mesmo porque nenhum político tem direito a privacidade. Também não é um sinal de maturidade, contraposto idealmente ao puritanismo infantil dos americanos. A gente não se intromete na vida sexual dos políticos por um atavismo escravocrata. Os senhores de escravos se comportavam como bem entendiam, e seus dependentes eram obrigados a fingir que não viam nada. Suas mulheres ficavam caladas. Suas escravas ficavam caladas. Os maridos de suas escravas ficavam calados. Até hoje é assim. Continuamos calados diante do comportamento de nossos políticos. Os antropólogos brasileiros, nos últimos setenta anos, conseguiram nos convencer de que a devassidão dos senhores de escravos era um motivo de orgulho, um traço distintivo de nosso caráter, uma demonstração de tolerância e liberdade. Não era. Era estupro. Era ameaça de chibatada. A liberdade de alguns, no Brasil, sempre dependeu do cativeiro de outros.

O maior problema do Brasil é que acabamos por acreditar em todos os estereótipos a nosso respeito. O estereótipo da nação alegre. O estereótipo do povo irreverente. O estereótipo do gigante adormecido. Tudo falso, claro. Somos o contrário de tudo isso. Somos uma gente sem graça, bem-comportada, subalterna, previsível, desimportante, sem futuro. O estereótipo mais difundido sobre os brasileiros se refere à nossa suposta liberdade sexual. As violências e os abusos cometidos pelos senhores de escravos passaram a ser vistos como um atributo de todos nós. Passamos a nos identificar com nossos donos. De chavão em chavão sobre nossa sexualidade, apagamos da memória a limpeza étnica que se deu por aqui. Se o Brasil quiser sair do lugar, se quiser aprender a lidar com autoridades, precisa lembrar que não é uma nação de senhores de escravos: é uma nação de filhos ilegítimos, uma nação de bastardos. Por isso devemos saber como se comportam nossos políticos. Para que eles não se sintam livres para agir como nossos senhores. Eles são tão bastardos quanto nós.

Arquivo do blog